RuyGoiaba

Lombroso tem razão

08.05.20

No século 19, o criminologista italiano Cesare Lombroso tentou associar características físicas dos seres humanos, como tamanho da mandíbula, à tendência inata de certas pessoas à sociopatia e ao comportamento criminoso. A teoria de Lombroso era descendente da frenologia, que alegava que o formato do crânio era um indicador de traços de personalidade — e, como a própria frenologia, já foi desacreditada pelos cientistas há muito tempo.

Mas o Bananão, pátria amada idolatrada, é craque em ressuscitar coisas que deveriam estar mortas e enterradas há muito tempo, como sarampo e elogios a intervenções militares. É claro que as teorias do criminologista do século 19 não podiam ficar de fora: basta olhar para a classe dirigente brasileira, para as suas características físicas e estéticas, para concluir que LOMBROSO TEM RAZÃO. (Aliás, eu sairia tranquilamente à rua com uma camiseta dessas — nos tempos em que ainda não havia coronavírus por aí e a gente podia sair.)

Você olha para a cara de um político velho, o olhar opaco, a papada dupla ou tripla, a caspa sobre a lapela do terno mal cortado e pensa “não é possível que esse aí não seja muito, mas MUITO corrupto”. Observa a careca – ou o implante — de um empresário e tem absoluta certeza de que ele é sugar daddy de uma amante 35 anos mais jovem. Repara bem na expressão de um sujeito com ar de idiota e sai convicto de que os neurônios dele nunca se comunicaram direito uns com os outros. Vai conferir e voilà: é isso mesmo. Oscar Wilde tinha toda a razão quando escreveu que só os frívolos não julgam pelas aparências.

Reconheço que, do ponto de vista legal, não há o que fazer contra isso: não dá para prender o corrupto lombrosiano, por exemplo, sem ser confrontado pelo excelente argumento jurídico de que quem vê cara não vê coração. Só queria que meu país parasse, uma vez na vida, de votar em gente que só falta circular por aí ostentando um luminoso de neon piscante com a palavra BURRO na testa. A julgar pelas amostras colhidas no WhatsApp e nas redes sociais, não vai acontecer: os imbecis lombrosianos são a cara do Brasil.

*

Não sei o que foi mais engraçado – quer dizer, trágico — nessa história de Jair Bolsonaro levando Paulo Guedes e uma claque de empresários ao STF para pressionar pelo fim da quarentena nos estados. Talvez os empresários dizendo que ficaram surpresos com a iniciativa do presidente e não se sentiram à vontade para recusar, puxa vida (só faltou o Bolsonaro mandar um “rá, pegadinha do Mallandro!”). Ou o sujeito da Abrinq falando na “morte de CNPJs”. Alguém poderia responder “e daí?”, como o presidente fez ao ser questionado recentemente pelas mortes de CPFs. Ou indagar se esses CNPJs não têm histórico de atleta e não aguentam uma simples gripezinha ou resfriadinho.

Como disseram no Twitter, aposto que os CNPJs estão “morrendo de outra coisa” (má gestão, por exemplo) e os contadores estão sendo obrigados a registrar que foi de coronavírus. Quem eles pensam que enganam, hein?

*
Aldir Blanc (1946-2020)

Quando a grande Ella Fitzgerald morreu, em 1996, o colunista Frank Rich, do New York Times, comentou sobre seus songbooks de grandes compositores americanos: “Era uma mulher negra que popularizou canções urbanas frequentemente escritas por judeus imigrantes para um público nacional predominantemente de cristãos brancos”. Coisa parecida aconteceu com Aldir Blanc, übercarioca da zona norte, cujas parcerias com o mineiro João Bosco – muitas cantadas pela gaúcha Elis Regina – resultaram em músicas nas quais qualquer brasileiro se reconhece, como “De Frente pro Crime”: o corpo estendido no chão, o camelô que veio vender anel, a baiana pra fazer pastel e churrasco de gato, o homem que sobe na mesa do bar e faz discurso pra vereador. RIP, Aldir.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O Coronafest promovido por Jair Bolsonaro na rampa do Planalto no domingo (3) mostra que o presidente, além de todas as excelsas qualidades que lhe são atribuídas, ainda tem a de ser a Velha Surda. Tenho certeza que, de tanto os olavetes pedirem ao seu governo o resgate da ALTA CULTURA, ele resolveu atendê-los — só que entendeu “resgate do PAULO CINTURA”. Issa!

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterPaulo Cintura está a cara de Luiz Felipe Pondé, daí a confusão com “alta cultura”

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO