Gustavo Lima/STJO advogado Paulo Henrique Lucon: mencionado em duas frentes de investigação

Ética para quem?

O conselheiro da Comissão de Ética da Presidência da República acusado de blindar o governo Bolsonaro aparece em investigação sobre ministro e foi citado em delação premiada da JBS como personagem de um negócio escuso para supostamente dar dinheiro a Michel Temer
08.05.20

Já virou um axioma na política brasileira a crença de que as coisas só funcionam sob pressão, para o bem e para o mal. Desde a sua origem, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República não foge à regra. O colegiado que fiscaliza a conduta das mais altas autoridades do governo federal só foi criado em maio de 1999, após a revelação da farra aérea praticada por ministros de estado constranger o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Membros do primeiro escalão e até o chefe do Ministério Público Federal da ocasião voaram com a família em jatinhos da Força Aérea Brasileira para os destinos turísticos mais badalados do país, como Fernando de Noronha. A criação da CEP, como a comissão é conhecida, e depois a edição do código de conduta elaborado por ela produziram um efeito moralizador momentâneo. Ao longo dos anos, o órgão que funciona em um dos anexos do Palácio do Planalto sempre esteve sujeito às pressões vindas do prédio principal do complexo da Presidência da República e, não raro, arquivou denúncias delicadas contra integrantes da cúpula palaciana, como o caso da evolução patrimonial do ex-ministro Antonio Palocci com sua empresa de consultoria, em 2011. O tema voltou à baila na última semana com a divulgação de uma carta na qual o conselheiro Erick Vidigal acusa o presidente interino da comissão, Paulo Henrique dos Santos Lucon, de favorecer o governo de Jair Bolsonaro, atuando para blindar os ocupantes de gabinetes da Esplanada.

Advogado e professor, Lucon chegou à CEP em março de 2018 pelas mãos do ex-presidente Michel Temer, de quem é amigo. Antes, havia sido um dos defensores da chapa Dilma-Temer no processo de cassação movido pela coligação do tucano Aécio Neves, após a eleição presidencial de 2014. A comissão é formada por sete conselheiros não remunerados, todos indicados pelo presidente da República para um mandato de três anos — atualmente, uma cadeira está vaga. Para ocupar o posto, é preciso ter “idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública”. Desde março do ano passado, Lucon ocupa a presidência da comissão. Há dois meses está como interino — o seu mandato terminou, mas uma nova eleição ainda não foi realizada por causa da pandemia. Pela tradição, Vidigal seria o próximo presidente. Ex-juiz eleitoral e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Lucon exibe um vasto currículo acadêmico e uma extensa lista de atividades que o credenciam como especialista em direito processual civil. Mas a sua atuação como advogado no setor empresarial põe em xeque o cumprimento de todos os requisitos básicos exigidos para o cargo. Ao menos dois episódios envolvendo a conduta do advogado chamaram atenção em inquéritos policiais que investigam crimes de corrupção, tráfico de influência e advocacia administrativa supostamente praticados por agentes públicos.

Em um depoimento prestado em maio de 2018, o advogado Francisco de Assis e Silva, ex-chefe do departamento jurídico da holding da JBS que se juntou aos irmãos Joesley e Wesley Batista e virou delator, relatou à Polícia Federal que Lucon e José Yunes, amigo e ex-assessor de Temer, propuseram um acerto, em junho de 2015, para dividir os honorários advocatícios no montante de 60 milhões de reais em uma ação privada envolvendo a empresa Bertin, adquirida pela JBS, e a Basf, defendida por Lucon. A ideia era que a empresa controlada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista fechasse um acordo judicial com a Basf. Assis e Silva diz, porém, que rejeitou a proposta porque acreditava que a JBS ganharia a causa na Justiça. Segundo ele, Yunes insistiu na oferta dizendo que Temer teria participação nos honorários reivindicados por Lucon. Como o acordo não prosperou e nenhum dinheiro foi pago ao grupo nesse caso, a investigação não avançou, mas ficou no ar a suspeita de que Lucon e Yunes possam ter usado o nome de Temer para tirarem proveito na disputa judicial.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéSalles, o ministro: parceria em processo com o presidente da comissão
Dono de um escritório de advocacia especializado em conflitos societários, falências e recuperações judiciais de empresas, Lucon é citado em outra investigação que apura a prática de tráfico de influência e advocacia administrativa pelo atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em uma disputa judicial de 200 milhões de reais entre duas empresas privadas. Um relatório da Polícia Civil de São Paulo de junho de 2018 obtido por Crusoé aponta que o presidente da Comissão de Ética Pública atuou no Tribunal de Justiça para manter um desembargador amigo de seu sócio como relator desse processo que tinha como uma das partes uma  construtora defendida por seu escritório. Além da banca de Lucon, a empresa havia contratado Ricardo Salles para coordenar a estratégia jurídica. Telefonemas e visitas a juízes e desembargadores sem procuração, explorando o fato de ter sido secretário-particular do ex-governador Geraldo Alckmin para defender a empresa, são algumas das acusações feitas a Salles que estão sob investigação no Ministério Público paulista. Os honorários advocatícios pagos pela construtora são usados pelo ministro do Meio Ambiente em sua defesa no inquérito que apura suposto enriquecimento ilícito de até 7,4 milhões de reais em um período de cinco anos, quando ele ocupou dois cargos no governo paulista.

Lucon chegou até a intervir no pedido de suspeição do desembargador Alexandre Lazzarini para julgar o caso, em defesa do amigo de seu sócio. O magistrado foi mantido no caso, mas a prática do advogado foi rechaçada pela corte. A atuação na advocacia rendeu bons dividendos a ele. No final de 2017, Lucon elevou o capital social da empresa de administração de bens que tem com a mulher de 12 mil reais para 15 milhões. Não se sabe se por essa razão, na Comissão de Ética ele tem se mostrado pouco rigoroso com casos de suspeição e conflitos de interesse. Assim que assumiu o posto de conselheiro, em 2018, ele recebeu a relatoria do processo aberto para examinar se a então ministra Grace Mendonça, da Advocacia-Geral da União, cometeu desvio ético ao viajar para a Itália com o marido em um avião da FAB. Oficialmente, a viagem era para participar de um evento que, por sinal, era patrocinado pelo instituto presidido por Lucon, que também esteve presente. Meses depois da viagem, o caso aportou na comissão. Lucon não se declarou impedido e arquivou o processo por falta de provas. Nas redes sociais, o conselheiro tem curtido uma série de postagens de autoridades do primeiro escalão do governo, como o general Augusto Heleno, chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência, e Abraham Weintraub, ministro da Educação, nome muito constante na CEP – ele já foi alvo de representações na comissão por quebra de decoro.

Para Erick Vidigal, que durante a campanha presidencial defendeu publicamente a eleição de Bolsonaro, Lucon tem favorecido o governo dentro da comissão para ser reconduzido para mais um mandato. “Eu não entrei na Comissão de Ética Pública para bater palmas para governantes indecentes ou para perseguir desafetos do governo”, afirmou Vidigal. O caso mais emblemático citado por ele é o do arquivamento da denúncia contra o secretário especial de Comunicação Social, Fábio Wajngarten, em fevereiro, no processo em que ele era acusado de beneficiar clientes de sua agência com repasses de verba de publicidade do governo federal. Agora, Lucon tem mais um processo rumoroso nas mãos. Ficou com ele, sem sorteio, a denúncia feita por 14 advogados contra o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. O processo está relacionado ao pedido que Moro revelou ter feito a Bolsonaro ao ser convidado para integrar o governo – como teria que abandonar a toga e provavelmente perderia a contribuição que fizera para a previdência, ele pediu ao então presidente eleito que garantisse uma pensão a sua família caso fosse alvo do crime organizado. O caso envolve ainda a outrora possível indicação do ex-juiz para o Supremo Tribunal Federal, como suposta contrapartida pela aceitação do convite de Bolsonaro. Ainda não se sabe qual será o veredicto de Lucon, mas é um teste e tanto para a sua propalada disposição de agradar ao Planalto.

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