Casa BrancaTrump visita fábrica nos Estados Unidos: ele quer que a China pague pelos danos causados pelo coronavírus

A nova Guerra Fria

O governo dos Estados Unidos eleva o tom do discurso que põe sob suspeita o papel da China na origem da pandemia e Pequim responde com uma agressividade pouco comum na diplomacia
08.05.20

O presidente Donald Trump subiu o tom dos ataques à China nas últimas semanas. Ele acusa os chineses de terem deixado escapar o novo coronavírus de um laboratório em Wuhan, de ter menosprezado a gravidade do problema e de ter divulgado informações mentirosas, como o número real de mortos por Covid-19, atrapalhando a tomada de decisões em outros países. Trump já cogitou até cobrar reparações pelos danos causados. “Ainda não definimos a soma total. Mas é muito substancial”, disse o presidente.

Nesta semana, as críticas seguiram em alta com o secretário de estado Mike Pompeo alegando ter “enorme certeza” de que o coronavírus saiu de um laboratório em Wuhan, o Instituto de Virologia, suspeito de ter uma segurança pouco confiável. “Não é a primeira vez que o mundo é exposto a um vírus como resultado de falhas em um laboratório chinês”, disse Pompeo. Um relatório de inteligência americano afirma que a China escondeu intencionalmente a gravidade do vírus enquanto acumulava estoques de equipamentos médicos para lidar com a doença em seu próprio território.

Esta não é a primeira vez que Trump eleva a voz contra a China. Em sua campanha eleitoral de 2016, ele acusou o país de roubar empregos de americanos e de manipular artificialmente o câmbio. Na Casa Branca, Trump subiu as tarifas de produtos chineses e deflagrou uma guerra comercial. Apesar dos golpes constantes, os chineses evitaram se pronunciar publicamente e preferiram comunicados discretos. A pandemia alterou esse padrão, empurrando os chineses para o contra-ataque. Veículos da imprensa oficial e diplomatas orientados pelo Partido Comunista Chinês têm criticado abertamente e com palavras duras qualquer um que afronte Pequim.

XinhuaXinhuaO laboratório de vírus em Wuhan, China
Em resposta à acusação de que o vírus foi feito em laboratório, o jornal Global Times, do Partido Comunista, disse que Mike Pompeo “perdeu sua bússola moral” ao surpreender o mundo com teorias absurdas e fatos distorcidos. Ele também foi chamado de “malvado”, “louco” e “mentiroso” por outros veículos da imprensa oficial. O Global Times também foi o meio utilizado para rebater a Austrália. Assim que o primeiro-ministro do país, Scott Morrison, anunciou que apoiava uma investigação sobre a origem do vírus, o jornal publicou uma defesa. “Após a epidemia, precisamos analisar melhor os riscos antes de fazer negócios com a Austrália ou enviar nossos filhos para estudar lá. A Austrália está sempre criando problemas. É como um chiclete preso à sola dos sapatos da China. Às vezes é preciso encontrar uma pedra para tirá-lo”, dizia um texto.

A atuação enérgica dos diplomatas chineses foi testemunhada no Brasil. No final de março, a Embaixada da China em Brasília publicou uma mensagem dizendo que o deputado federal Eduardo Bolsonaro tinha contraído “vírus mental”, que ele era irresponsável e que imitava os “queridos amigos” americanos. O deputado havia publicado um tuíte dizendo que a China era a culpada pela pandemia. Dias mais tarde, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, pediu explicações ao governo brasileiro porque o ministro da Educação, Abraham Weintraub, ironizou a China nas redes sociais.

Repreensões similares ou até mais virulentas por parte dos chineses têm ocorrido em diversos países. Na Alemanha, um artigo publicado no jornal Bild defendeu que a China deveria pagar uma reparação de 130 bilhões de euros pelos danos econômicos causados pelo coronavírus. “Qualquer um que faça cálculos como esse está insuflando o nacionalismo e o preconceito, além de xenofobia e animosidade em relação à China”, disseram os diplomatas chineses em um comunicado. Nos Estados Unidos, o promotor Eric Schmitt, do Missouri, abriu um processo pedindo que a China fosse responsabilizada pela pandemia. Um diplomata chinês disse que o processo era ridículo, frívolo e sem base legal.

Além dos petardos verbais, a China também partiu para a ação contra países próximos no Mar do Sul da China. O governo de Pequim acredita ter soberania sobre essas águas, o que é contestado por outros países. Em plena pandemia, com o mundo contabilizando os mortos por Covid-19, um navio da guarda costeira chinesa afundou um barco de pesca vietnamita feito de madeira. Outro navio chinês, de pesquisa submarina, aproximou-se de uma área de exploração de petróleo da Petronas, a empresa estatal da Malásia. “O cálculo da China é que os demais países estão ocupados com a Covid-19 e não podem responder rapidamente e com força a suas investidas. Assim, este é um momento oportuno para ser mais agressiva”, diz o advogado americano Orville Schell, do Centro de Relações entre EUA e China da Asia Society, em Nova York.

ReproduçãoReproduçãoO barco pesqueiro vietnamita afundado pelos chineses
A postura chinesa tem causado mal-estar em diversos países. A dependência mundial da importação de equipamentos médicos da China posterga medidas de retaliação. A tensão aumentará quando a preocupação com a pandemia arrefecer, principalmente com os Estados Unidos. No início deste ano, Trump fechou com o presidente chinês Xi Jinping a fase 1 de um acordo para encerrar a guerra comercial. O combinado era o de que a China compraria 200 bilhões de dólares em bens e serviços americanos nos próximos dois anos. A lista incluía produtos agrícolas, carros e equipamentos médicos. Se a China não cumprir a promessa, a guerra comercial voltará com força (na sexta-feira, 8, os dois países anunciaram que irão cumprir com a fase 1).

A reação dos demais países, se houver, deve variar com o grau de dependência econômica que cada um tem com a China. Nações desenvolvidas, principalmente as europeias, podem reduzir suas compras e evitar negócios com empresas como a Huawei, que vende a tecnologia 5G. Entre as nações em desenvolvimento, que exportam commodities e precisam dos investimentos chineses, a tensão é menos provável. “Os países em desenvolvimento, como os latino-americanos, não têm muita opção. A crise os deixará muito necessitados de investimentos e de oportunidades comerciais. Eles vão agarrar tudo o que aparecer pela frente”, diz o analista argentino Patricio Giusto, da consultoria Diagnostico Político, em Buenos Aires, e especialista em China.

Com a Guerra Fria entre Estados Unidos e China em seu ápice, a questão é saber o que ocorrerá depois da pandemia. Parte da resposta virá com a eleição americana em dezembro. Um presidente democrata no ano que vem poderia ser menos beligerante com os chineses, mas não necessariamente mudaria a tendência protecionista, uma vez que a economia americana estará muito debilitada. “Os Estados Unidos não parecem muito afeitos a fortalecer a sua liderança global. A China, que está cometendo erros por conta própria e gerando suspeitas, também não parece bem posicionada para ocupar o vazio”, diz Orville Schell, da Asia Society. “Trata-se de uma disputa para ver quem faz o pior trabalho, a fim de garantir a vantagem sobre o outro.” Nesta disputa, houve a distensão desta sexta-feira:  o vice-premiê Liu He, que dirigiu as negociações da primeira fase do acordo comercial assinado entre os dois países, ligou para o representante comercial americano, Robert Lighthizer, e para o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin. O contato foi para reforçar o empenho comum na área macroeconômica e sanitária, segundo um comunicado de Pequim. Foi o que bastou para as Bolsas asiáticas e a Nasdaq subirem.

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