LeandroNarloch

O método Bolsonaro para a felicidade

01.05.20

Romeu: – Em tua boca me limpo dos pecados.
Julieta: – Que passaram, assim, para meus lábios.
Romeu: – E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?

*

A imprensa criticou, os parlamentares reclamaram, as redes sociais se encheram de comentários sobre a frase presidencial polêmica da semana. Eu não. Estou até agora impressionado com o potencial filosófico, a sagacidade, os princípios éticos que se pode tirar de “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”.

Já falo sobre o método para alcançar a plenitude e a felicidade individual contido na frase do presidente. Antes preciso contar que passei os últimos dias importunando as pessoas com tentativas de encaixar o trecho nos diálogos clássicos da literatura e do cinema:

CÉSAR – Até tu, Brutus?
BRUTUS: – E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?

Imaginando como a frase daria uma ajuda mais que necessária à literatura brasileira:

Já na meninice Macunaíma fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Se o incitavam a falar exclamava: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”

Como a frase alteraria a história de Getúlio Vargas:

Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte. Não logrei fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia, mas e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?

Ou a Bíblia:

E disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz?”. Respondeu Jesus: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”.

Pois bem, chega de importunar o leitor com minha nova obsessão; vamos ao método para a felicidade. Já advertiam os filósofos estoicos que um dos segredos da vida é aceitar o que não controlamos para se concentrar no que controlamos. É a “dicotomia estoica do controle”.

Quem passar a vida tentando mudar coisas que dependem dos outros “se afligirá, se inquietará e censurará tanto os deuses quanto os homens”, diz o “Manual de Epíteto”, texto grego do século 2. Por outro lado, se você deixar de desejar e perseguir o incontrolável, “ninguém o causará dano e não terá inimigos”.

A frase do presidente Bolsonaro talvez não tenha tanta elegância, ou alguma elegância, mas vai na mesma linha. Por mais que os políticos acreditem ter o controle da situação ou se esforcem para nos convencer disso, o fato é que estão todos perdidos, “Às cegas”, como disse o ministro da Saúde.

Vale a pena usar a máxima do presidente para outras instâncias da vida. Ligação de telemarketing, opiniões estúpidas na internet, peças de Lego espalhadas pela casa, elevador travado justamente em momentos de atraso – eis quatro exemplos de coisas incontroláveis com as quais não vale a pena se afligir.

Diante de adversidades com essas, é melhor agir com calma. Respirar fundo. E repetir mentalmente: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”.

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