O vírus sob a ditadura
Com raríssimos aviões indo para a Venezuela, o país teve mais tempo para se preparar antes de enfrentar a Covid-19. Ao contrário das demais nações, em que a doença chegou com passageiros de voos internacionais, na isolada ditadura de Nicolás Maduro, a pandemia entrou com uma pessoa que caminhou pelas picadas clandestinas na fronteira com a Colômbia, as chamadas “trochas”.
No início de abril, Maduro ordenou que todos os contaminados fossem levados a um dos 46 hospitais sentinelas ou para os Centros de Diagnóstico Integrados, os CDIs, comandados por médicos cubanos. Todos esses locais foram cercados por militares e por milícias bolivarianas ligadas ao regime. Usando roupas camufladas, os “soldados” foram encarregados de manter a ordem. Na prática, isso significa impedir que dados sobre a situação calamitosa dos hospitais se tornassem públicos. Qualquer um que se aproxime registrando as cenas com câmeras e celulares é imediatamente detido. Dois jornalistas já foram presos. Médicos e enfermeiros que deixam essas unidades após um dia de trabalho para descansar em casa são seguidos pelas forças de segurança. Eles não podem comentar com outras pessoas sobre a falta de água ou de remédios.
Preocupado com possíveis protestos, Maduro usou a pandemia para reprimir ainda mais a população e seus opositores. Na quinta-feira, 23, ameaçou prender o governador de Nova Esparta, Alfredo Díaz, alegando que ele foi negligente com a Covid-19. Díaz é do partido de oposição Ação Democrática. Protestos foram proibidos. Além disso, a ditadura instaurou, em alguns estados, o toque de recolher. Para comprar comida e insumos, só se pode sair de casa entre 10 horas da manhã e 2 da tarde.
A debandada russa deixou a Venezuela completamente sem gasolina. Os postos estão com filas enormes de carros. Motoristas chegam a ficar doze horas à espera. Para evitar confusão, o governo instituiu um rodízio por placas. Às segundas, carros com placa de final 9 e 0 podem abastecer, e assim por diante.
A dificuldade deu mais fôlego ao mercado negro de combustível. Um litro de gasolina é vendido por militares a 2 dólares. O valor por litro é maior do que o salário de um venezuelano, em torno de 1,30 dólar.
Na quinta-feira, 23, saques e protestos aconteceram em quatro estados da Venezuela. Em Sucre, pescadores pediram combustível para trabalhar com seus barcos. Famintos e sem conseguir o que queriam, foram para as ruas e iniciaram saques. No estado de Bolívar, milicianos de Maduro mataram um manifestante com um tiro na cabeça.
Um ditado comum na Venezuela afirma que “a gasolina derruba governos”. A ver o que acontecerá quando a esse caos se junta uma pandemia.
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