MarioSabino

Quem absolveu Mandetta

10.04.20

Quando Jair Bolsonaro estava montando o seu ministério, no final de 2018, O Antagonista publicou mais de uma vez que Luiz Henrique Mandetta era uma escolha errada para a pasta da Saúde. O motivo era um ação civil pública de ressarcimento de dano ao erário do município de Campo Grande, do qual Mandetta foi secretário de Saúde, entre 2005 e 2010, na gestão do seu primo, o diminutivo Nelsinho Trad.

O inquérito o investigava por causa da contratação de empresas de tecnologia, quando ele estava à frente da secretaria. Mandetta e o seu sucessor eram suspeitos de ter autorizado pagamentos indevidos por serviços não executados. ”Nenhum deles agiu prudentemente, muito pelo contrário, além de coniventes, foram decisivos para que ocorresse o prejuízo ao erário municipal”, dizia o inquérito. As acusações eram de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois na implementação de um sistema de prontuário eletrônico. 

Presidentes de entidades médicas enviaram uma carta a Jair Bolsonaro, na qual manifestavam “preocupação com boatos nos últimos dias sobre nomes cotados” para a Saúde. Eles diziam acompanhar a formação do novo ministério “com grande empolgação”, porque “nomes como o do juiz Sergio Moro, do economista Paulo Guedes e do astronauta Marcos Pontes ratificam o compromisso com escolhas técnicas para comandar as pastas, sem loteamento político e influência partidária, e, principalmente, todos com ficha limpa e que não estejam sendo investigados. Para o Ministério da Saúde, a expectativa é que tenhamos um nome assim, que se encaixe nesse perfil.” Na carta, os presidentes de entidades médicas também tentavam emplacar Lincoln Lopes Ferreira como ministro, “médico com largo histórico de participação e contribuição para a medicina brasileira, inclusive na luta franca e declarada contra os desmandos e a ideologização do Ministério da Saúde nos últimos governos”. Como bom Lincoln, ele havia recebido a comenda Honra à Ética, conferida pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais.

Inquérito não é condenação, de comendas Brasília está cheia, mas a escolha de Mandetta parecia ser um mau começo para um governo que pretendia ser um farol da moralidade pública, em contraste com a chamada velha política. O presidente eleito, contudo, manteve-se firme e afirmou que só mudaria de nome se houvesse provas robustas contra a sua opção. Compreende-se: com dois mandatos de deputado federal pelo DEM, indicado pelo então aliado Ronaldo Caiado, Mandetta era peça importante no jogo de dominó político brasileiro (xadrez político é promoção indevida para o que ocorre em Brasília). Bolsonaristas empedernidos, com o perdão da redundância, começaram então a atacar O Antagonista, afirmando que éramos comunistas disfarçados, prontos a sabotar o governo que nem havia começado — em resumo, que não havia ninguém mais honesto e preparado do que Mandetta para ser ministro da Saúde.

Menos de um ano e meio depois, ele passou a ser o nome errado para os mesmos bolsonaristas empedernidos. É bom senso demais no combate à pandemia que Bolsonaro vê como ameaça política pessoal. Agora, os bolsonaristas empedernidos fazem circular a ficha suspeita do ministro da Saúde que antes era intriga da oposição e fofoca da imprensa, menosprezam a sua formação acadêmica, acusam-no de ser um oportunista e esculhambam o sujeito na internet, claro. O dado divertido é que, como O Antagonista vem apoiando o ministro da Saúde pelo seu comportamento em meio à crise causada pela Covid-19, eles puseram para rodar nas redes sociais os nossos posts que diziam ser um erro nomear Mandetta para o cargo que ocupa — e acusam o site de ser contraditório, porque, afinal de contas, somos comunistas disfarçados.

A piada é engraçada, mas é daquelas que precisam ser explicadas para alguns. Não é contradição, mas princípio de realidade. O presente não cancela o passado do ministro da Saúde. Se ele cometeu crimes, deveria pagar por isso. Se Bolsonaro prometeu ter um ministério ficha limpíssima, deveria ter escolhido outro nome. Nada disso ocorreu. O presidente colocou o homem lá, e ninguém falava muito dele até o vírus aportar no Brasil. Coronavírus desembarcado no meio de nós, Mandetta cresceu no cargo (eu lhe sou especialmente grato por ter-me apresentado ao universo paralelo de Jorge & Mateus e Marília Mendonça). A que se deve o seu crescimento? Ao comportamento normal, com aquele jeito de médico do interior, bonachão, mais o colete de agente sanitário sempre alerta para o marketing. Como eu disse num podcast, ele tem se mostrado tão normalmente sensato que os cidadãos até acreditam nos números de infectados que fornece a cada dia.

Pode ser que Mandetta encolha como ministro, se é que resistirá no posto. Pessoalmente, acho que o governo banirá a Covid-19 por decreto, baseando-se em subnotificações de casos e óbitos. A preservação da saúde da economia falará mais alto, o apreço pela vida dos outros não é exatamente uma característica nacional — e bora trabalhar, porque brasileiro, assim como amante, não tem lar. Espero estar errado na previsão catastrófica lastreada em acontecimentos verídicos ocorridos em outras latitudes. Que não se perca, porém, este fato: quem absolveu Mandetta foi o presidente que agora o condena. Quem absolveu Mandetta foram os seus detratores de hoje. O resto é bebi liguei de apaixonadinha.

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