O hospital de Foz do Iguaçu: dinheiro desviado da unidade voltou agora em equipamentos para tratar pacientes com a Covid-19

Os corruptos pagam a conta

As multas aplicadas pela Justiça a políticos e empresários flagrados pilhando os cofres públicos ajudam a pagar a conta do combate ao coronavírus
10.04.20

Em abril de 2016, agentes da Polícia Federal em Foz do Iguaçu avançaram sobre uma organização criminosa incrustada na prefeitura da cidade que, segundo o Ministério Público Federal, tinha como líder o então prefeito Reni Pereira, do PSB. Era a Operação Pecúlio. Ao longo da apuração, doze dos 15 vereadores da cidade foram presos em decorrência de desvios em quase todos os setores da administração pública. O prejuízo calculado pelos investigadores é de mais de 30 milhões de reais. Um dos casos de corrupção envolvia uma parceria público-privada por meio da qual empresas ficariam com a administração de unidades de saúde municipais, entre elas, o Hospital Padre Germano Lauck. Documentos mostraram que o processo estava viciado e fora direcionado para uma empresa ligada ao grupo político do prefeito. A parceria foi cancelada, pessoas foram presas e, a exemplo do que ocorreu na Lava Jato, os artífices do esquema resolveram contar tudo o que sabiam em acordos de delação premiada.

Quatro anos depois da primeira fase da operação, o município paranaense localizado a 600km da capital Curitiba, assim como todo o Brasil, enfrenta a pandemia do novo coronavírus e se organiza para enfrentar a chegada do período mais agudo da crise. A cidade ainda não registrou nenhuma morte pela doença, mas já são 29 casos confirmados de Covid-19 e 62 pessoas com suspeita de terem sido infectadas. Por se tratar de uma região de fronteira e com tráfego intenso de comerciantes de todo Brasil, o perigo é ainda maior. Para isso, o hospital Padre Germano Lauck, aquele mesmo da PPP viciada pela corrupção, foi transformado em centro de referência. Para reestruturá-lo e deixá-lo em condições de receber pacientes contaminados pelo coronavírus, uma parte do dinheiro, cerca de 1 milhão de reais, virá do valor pago pelos delatores nos acordos de colaboração premiada celebrados com as autoridades. Ou seja, ao menos um naco das multas aplicadas aos políticos locais flagrados saqueando os cofres públicos acabará por ajudar no pagamento da salgada conta do combate ao coronavírus.

É na chamada “central de materiais” do Padre Germano Lauck, cuja ampliação será bancada com parte do dinheiro desviado do próprio hospital, que serão instalados autoclaves, termodesinfectadoras e kits de pistola de ar para lavar e esterilizar utensílios utilizados pelos médicos – artigos que, se não receberem os cuidados devidos, podem ajudar a disseminar a doença. “As ações desenvolvidas nesses setores são consideradas complexas e tão importantes quanto à assistência direta ao paciente. A ideia é garantir a segurança para não contaminar outros pacientes pelo uso destes materiais”, diz o diretor do hospital, Sergio Fabriz.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAras: dinheiro recuperado em ações anticorrupção deve ir para a Saúde
Situação parecida com a de Foz do Iguaçu envolve o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte, DNIT, um antigo antro de corrupção dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Entregue ao grupo político do mensaleiro Valdemar da Costa Neto, do Partido Liberal, a autarquia protagonizou escândalos em série e ocupou o noticiário ao ser alvo de sucessivas operações da Polícia Federal. A partir da Lava Jato, os milhões desviados começaram a retornar aos cofres públicos à medida que as forças-tarefas da investigação iam descortinando os bastidores das transações espúrias. Uma dessas negociatas envolveu a duplicação de um trecho de 35 quilômetros da BR-101 no Rio Grande do Norte. Ao examinar os contratos da obra, os investigadores descobriram que empreiteiros, funcionários do DNIT e agentes públicos montaram um esquema que desviou 13,9 milhões de reais. Exposto pela Operação Via Ápia, o caso mais é um exemplo de como o combate à corrupção não só é capaz de higienizar o ambiente empresarial e político como também pode servir para recompor os caixas públicos, ainda mais em tempos de crise como agora.

Após pedido da Procuradoria no Rio Grande do Norte, uma fração das multas aplicadas a políticos e a integrantes do consórcio de empreiteiras envolvidas no esquema por má execução dos serviços, omissão na fiscalização, prorrogação indevida dos prazos e pela transferência irregular dos recursos será destinada ao combate à pandemia de coronavírus no estado. Segundo o secretário estadual de saúde, Cipriano Maia, um total de 1,5 milhão de reais desembolsado pelos corruptos por meio de acordos de delação premiada será utilizado na compra de insumos, equipamentos de proteção e na contratação de profissionais da saúde. No estado, onze pessoas já morreram pela Covid-19 e 261 estão com a doença. “Só temos a agradecer à ação do MPF, da Justiça Federal e de todos os entes que têm se somado nesse esforço solidário, humanitário e colaborativo para que a gente possa somar recursos para lutar contra o coronavírus”, diz o secretário.

Os casos de Foz do Iguaçu e do Rio Grande do Norte obedeceram a uma recomendação do procurador-geral da República, Augusto Aras. A Crusoé, ele contou que sugeriu que procuradores do Ministério Público nos estados utilizassem os valores desviados da corrupção para combater o coronavírus depois que a PGR recebeu informações sobre a escassez de verbas para aquisição de insumos e equipamentos destinados a evitar a proliferação da doença no país.

Agência EstadoAgência EstadoOs 51 milhões do bunker de Geddel devem entrar em breve no pacote
A meta de Aras é ambiciosa: ele quer que 10 bilhões de reais em multas sejam repassados ao Ministério da Saúde ainda este ano. A pasta comandada pelo ministro Luiz Henrique Mandetta já recebeu R$ 1,6 bilhão de reais da Procuradoria-Geral da República. “Esses recursos serão usados, por exemplo, para abertura de leitos e aquisição de equipamentos de proteção individual, como máscaras, luvas, aventais e respiradores mecânicos, à medida que houver necessidade, respeitando os trâmites legais para a liberação do dinheiro”, informou o ministério em nota enviada a Crusoé. Pelos cálculos da PGR, 2,5 bilhões já estão garantidos para irrigar os cofres da Saúde em breve.

Já fazem parte dessa conta, por exemplo, os 800 milhões de reais que serão pagos pelo empresário Eike Batista, cujo acordo de delação foi firmado com a PGR em março deste ano, mas ainda aguarda a homologação pelo Supremo, mais 1,6 bilhão de reais de um acerto da Petrobras com autoridades americanas, inicialmente destinado para a educação, mas que foi realocado para a saúde após uma decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Integram ainda o pacote 3,3 milhões de reais provenientes de colaborações premiadas celebradas pela Operação Calvário, aquela que prendeu Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba. Parte das multas arrecadadas pelo MP nesse caso já foi transformada em respiradores para uso da rede pública de saúde do estado. Aras ainda alimenta a expectativa de poder transferir para o Ministério da Saúde os 51 milhões de reais apreendidos no famoso bunker da propina de Geddel Vieira Lima, o notório ex-ministro de Michel Temer.

O procurador-geral pediu aos integrantes do Ministério Público que comuniquem “a origem dos valores, o total e a destinação”, para que a própria instituição e os tribunais de contas do país possam fiscalizar o emprego do dinheiro. O cuidado tem explicação: é preciso evitar que o dinheiro vá parar, de novo, nas mãos de políticos e empresários corruptos.

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