FelipeMoura Brasil

A conservação das vidas

10.04.20

Roger Scruton, a “referência intelectual” do filho do presidente que não leu seus livros, dizia que “os conservadores sofrem desvantagem quando se trata da opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa”.

A posição “verdadeira, mas enfadonha” sobre a cloroquina, até o momento em que escrevo, é que ela tende a ser eficaz em determinados tratamentos contra o coronavírus e, sim, deve continuar sendo testada, ministrada e monitorada criteriosamente pelas autoridades médicas, conforme a avaliação específica, a necessidade individual e a urgência do caso, além do consentimento de cada paciente ou dos familiares, considerando-se o risco de gerar arritmias cardíacas e outros efeitos, hepáticos e visuais. Mas ainda não há base significativa de dados que permita a comprovação científica da eficácia, nem se poderia relaxar de imediato o isolamento social em razão dela.

A posição “excitante, mas falsa” sobre a cloroquina é que são amigas do vírus, ou torcem por ele, as pessoas que fazem qualquer ressalva ao seu uso imediato por todos os pacientes com Covid-19, seja contra a automedicação, seja sobre efeitos colaterais, seja noticiando casos em que ela não funcionou ou casos em que não se sabe se foi ela a responsável pela melhora, seja em relação à necessidade paralela de ventiladores mecânicos importados da China para controlar a falta de ar dos pacientes em UTI, além de acessórios para ventilação, EPIs e kits para testagem em massa.

O bolsonarismo posa de conservadorismo, mas seus líderes e militantes se comportam como os tradicionais oponentes dos conservadores, buscando excitar o povo com uma solução generalizada para seus males, sem a menor prudência – esta que, na iminência da morte, também impõe o apelo ao último recurso, mesmo sem maiores certezas.

A prudência e as pessoas prudentes, na verdade, são achincalhadas pelos bolsonaristas, que conseguem, neste caso, tornar até parte da imprensa mais conservadora que eles, no afã de gerar conflito e de atribuir ao outro lado a intenção retrógrada de proibir a cura.

A torcida pela eficácia de qualquer medicamento ou vacina é comum a todas as pessoas de bem, que querem conservar vidas humanas. Mas, quando o desejo de posar de benfeitor dos outros vem antes da responsabilidade com as vidas alheias – estas que os médicos de verdade têm em mãos –, a torcida é mais pela própria vantagem política.

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