Mateus Bonomi/Crusoé

Zé Carlos, o agricultor

Ele se isolou na área rural com a mulher grávida para se proteger da doença e, ao mesmo tempo, garantir que a produção de tomate, feijão, milho e soja não pare
08.04.20

Aos 33 anos, José Carlos de Sousa Filho cuida, com a ajuda do sogro e da mulher, das propriedades em que a família planta tomate, feijão, milho e soja, além de criar gado de corte. Toda a produção, à exceção da soja, é destinada inteiramente ao mercado interno. Vai para as prateleiras de supermercados e para as mesas dos brasileiros. Zé Carlos, como é conhecido, está com os familiares e doze funcionários em “confinamento”, termo que antes da quarentena era usado por ali para designar o regime de engorda dos bois. Até recentemente, ele morava na cidade e fazia, diariamente, o bate-e-volta até a Fazenda Nossa Senhora Salete, em Cristalina, município do interior de Goiás. Com a pandemia, a rotina mudou por completo. A decisão de deixar a cidade e se isolar na área rural, mesmo com a mulher grávida de sete meses da primeira filha, foi tomada há 20 dias como saída para se proteger da ameaça e, ao mesmo tempo, manter o cronograma anual de plantio, o sustento da família e a distribuição da colheita aos clientes de sempre.

A conversa para convencer os funcionários da necessidade do isolamento, conta Zé Carlos, não foi fácil e contou até com a ajuda de um profissional da área de segurança do trabalho, que teve de explicar a eles importância de não ir à cidade nos momentos de folga. Em Cristalina ainda não há casos confirmados de coronavírus. Apenas uma pessoa é monitorada por suspeita da doença. Mas a proximidade de Brasília, onde os números avançam, é motivo de preocupação. “Nós conversamos, explicamos a situação. Como vamos começar o plantio, não tem como ir e voltar com possível contato com a doença.” Para manter a propriedade abastecida com os itens de primeira necessidade que só é possível achar na cidade, foi criada uma escala especial em que dois colaboradores saem para fazer as compras. Parte da produção de feijão foi destinada ao próprio consumo dos funcionários e um boi foi abatido para garantir a proteína do cardápio.

A necessidade de manter a turma “confinada” e trabalhando a todo vapor guarda relação também com uma meta estabelecida por Zé Carlos aos subordinados: a de plantar 22 hectares de tomate, cujo cultivo, segundo o calendário tradicional, estaria atrasado devido à demora na entrega das mudas e do adubo. O atraso é mais uma consequência da pandemia. Problemas de logística impediram a entrega da encomenda. Na fazenda de Zé Carlos, que também é engenheiro agrônomo, a lavoura de tomate não é totalmente mecanizada. Uma máquina até faz as “riscas” no solo onde as mudas ficarão enfileiradas e despeja o adubo, mas a plantação ainda é manual. Cada hectare comporta 33 mil mudas, que são assentadas uma a uma na lavoura sob o sol escaldante do cerrado goiano. “Já está tudo atrasado. Se não transplantar em dois dias (para o solo), essas mudas vão morrer”, diz José Carlos.

Mateus Bonomi/Crusoé

Os tomates produzidos na Nossa Senhora Salete são divididos em duas partes. Uma segue para as gôndolas de supermercados e outra vai a indústria, para ser transformado em molho. Dos 1.137 hectares da fazenda em que a família de Zé Carlos está isolada saem ainda 40 mil sacas de soja, 10 mil sacos de feijão, 30 mil de milho e entre 400 e 500 bois para o abate por ano. A soja também vai para a indústria – quase um terço da produção é vendido a empresas chinesas. O feijão, em sua maior parte, segue para a região Nordeste e estados como Minas Gerais e São Paulo. O milho alimenta galinhas de granjas sediadas no Espírito Santo. Já os bois são vendidos para frigoríficos que distribuem a carne para supermercados de todo o país. “Se pararmos, o povo em isolamento nas suas casas não come”, diz o produtor rural, repetindo a frase que orgulha seus colegas de campo nestes tempos de quarentena.

Zé Carlos admite, porém, que não tem sido fácil manter a equipe em confinamento. No último domingo, 29, ele precisou usar a criatividade para debelar o tédio que parecia tomar conta de todos. A saída foi encomendar um barril de chopp na cidade. Foi o suficiente para mudar o estado de ânimo dos lavradores, cujo único passatempo nos momentos de folga até então era a pescaria na represa da fazenda.

Mesmo com as dificuldades impostas pela nova rotina, atrasos na chegada de insumos e incertezas sobre o futuro, Zé Carlos se mostra otimista e diz que o caminho não é outro senão acreditar mais nas pessoas e, sobretudo, na ciência. “Com o coronavírus, aprendemos que não tem branco, não tem preto, não tem rico, não tem pobre. São os mesmos sete palmos de terra por cima para todo mundo.” Para o produtor rural, mais do que nunca é hora de confiar na capacidade que cada um tem de dar sua parcela de contribuição, nas diferentes áreas. “Hoje com essa modernidade, qualquer um é Deus. Todo mundo acha que é que é agricultor e pode vir aqui e plantar com base em vídeo do YouTube. Nós, na verdade, dependemos de quem está trabalhando.”

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  1. Os agricultores são obstinados e trabalhadores. Faça chuva ou faça sol, todo ano tem plantio. Parabéns à todos agricultores do Brasil. E obrigado!

  2. Parabéns, Zé Carlos, representante perfeito daqueles que plantam e colocam a comida em nossas mesas, os remédios para os enfermos, um infinito de produtos essenciais para a vida! Só Deus sabe o quanto custou de suor aquele cafezinho com leite quentinho, pãozinho com manteiga, etc. Fique, sim, aí no seu paraíso com sua amada e filhotinho! Deus abençoe vocês dois e seus funcionários. Torço para que tudo isso passe logo. E junto, meu apreço aos caminhoneiros que nos trazem de tudo! Deus lhes pague!

    1. Vai trabalhar vagabundo, opa desculpa, vc não trabalha nem quando nao tinha coronavirus

    1. Este pessoal do campo são uns bárbaros e os caminhoneiros super homens. Veja ganham pouco e se arrebentam pó Brasil.

  3. Meus filhos tem esta mesma luta no RS,colocar alimentos nas mesas dos brasileiros é sempre uma luta,as fazendas são bem estruturadas e funcionários esforçados,a infra de transporte e estradas escoamento da produção no RS é sempre uma luta maior do que plantar.

  4. Além de produzir alimento, o bem mais precioso, ainda é consciente quanto a necessidade do isolamento social !!! Gratidão é o que sentimos !

  5. A agricultura tem papel fundamental na subsistência da sociedade, no abastecimento dos mercados e supermercados. O vírus tem se mostrado letal, porém, a fome também tem seu alto grau de letalidade num país tão complexo e desigual quanto o Brasil. Portanto, nosso agradecimento ao Zé Carlos como produtor, aos agricultores e lavradores de sua fazenda pelo desprendimento em confinar-se, com vistas a manter o abastecimento de nossos lares e aos familiares pela compreensão do dilema nesta questão.

  6. Porque será que não têm político nesta lista? Porque estão reunidos com Rodrigo Maia no Congresso preparando golpe, quando será que esses deputados vigaristas vão ter respeito por essas pessoas

    1. Correto, esqueceram mesmo da segurança pública. Aliás eles sempre são esquecido. Porquê?

    2. Em compensação congressistas estão em sessão preparando mais um golpe

    3. sem demérito às profissões escolhidas faltou homenagear os profissionais da segurança pública. como sempre esquecidos....

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