Adriano Machado/Crusoé

Larissa, a laboratorista

A carga de trabalho foi multiplicada algumas vezes com o ritmo alucinante dos testes para diagnosticar o coronavírus, mas o que mais tem incomodado esta paulistana é a falta de abraço
08.04.20

Mal amanhece o dia e a bióloga Larissa da Costa Souza, uma paulistana de 32 anos radicada em Brasília, deixa o marido e os três filhos dormindo e segue de carro para o trabalho, a 20 quilômetros de casa, num prediozinho modesto escondido entre árvores logo atrás da Esplanada dos Ministérios. É ali, no Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen), que funciona o bunker de onde ela trava uma batalha diária contra o coronavírus. O laboratório é referência regional nos testes de doenças contagiosas e integra uma rede nacional do SUS cuja missão é mapear, com o máximo possível de eficiência, agentes causadores de todo tipo de enfermidade.

No Lacen de Brasília, Larissa tem passado doze horas de seus dias desde que a pandemia estourou. Mal sobra tempo para almoçar. De uma sala para outra, paramentada com os equipamentos de proteção, ela e os colegas têm que dar conta de levas e levas de amostras biológicas coletadas de pessoas com suspeita de coronavírus. A bióloga trabalha ali fazendo testes de doenças virais desde 2010. Juntamente com um bioquímico do setor de virologia, ela foi a responsável por inaugurar em 2016 a área de biologia molecular do laboratório cuja atribuição é identificar, e depois mapear, os tipos de vírus que causam gripe na região de Brasília.

A técnica de biologia molecular empregada pela equipe permite identificar com precisão o material genético dos vírus nas amostras dos pacientes contaminados e, nas últimas semanas, passou a ser adotada em um ritmo nunca visto antes por ali. “Se antes fazíamos, em dias de pico, 30 amostras por dia, agora passamos a ter de fazer 200 amostras por dia, com o coronavírus”, diz a bióloga.

Larissa trabalhava 40 horas semanais e contava com mais outras três pessoas no time. Atualmente, ela tem o apoio de mais de 20 funcionários do laboratório, entre técnicos e profissionais de nível superior que atuavam em outras áreas e foram chamados para se revezar entre os turnos da manhã e da noite, incluindo os finais de semana, para dar vazão à demanda crescente. Diante da dificuldade de conseguir, em tempo hábil, mais equipamentos para aumentar a capacidade de realização dos testes, a saída encontrada pela equipe foi colocar mais gente para usar o maquinário já existente até o limite. Os quatro equipamentos, dois para extrair o material genético das células e outros dois para fazer a identificação do vírus, têm funcionado 24 horas por dia, sem parar. Na guerra contra o vírus, cada minuto conta. “Há uma pressão grande em cima do laboratório e isso é o que está impactando mais na nossa rotina. Viramos praticamente um laboratório de emergência”, diz a bióloga.

Adriano Machado/Crusoé

Com a rotina mais intensa, admite Larissa, os funcionários acabam pressionados a liberar resultados até antes da hora. “Às vezes insistem muito e acabamos liberando um resultado sem ter tanta certeza. Depois repetimos o teste e vemos que era um kit (de análise) que estava com problemas. É uma pressão ruim no laboratório, mas sabemos que o momento exige isso”, diz. Durante o seu turno, além de orientar a equipe em todas as etapas dos testes, Larissa e uma colega se dedicam a finalizar a análise das amostras e remeter os resultados, por meio de um sistema eletrônico, para a Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Juntas, elas têm despachado cerca de 100 resultados por dia. O que ficou pendente é repassado para a equipe da noite.

Ao voltar para casa, Larissa redobra os cuidados antes de ter contato com os filhos pequenos (de dois, cinco e sete anos) e o marido, também biólogo, que tem trabalhado em regime de home office. Chegar perto, só depois de um bom banho. Na medida do possível, o casal tem dividido as tarefas domésticas e a missão de entreter as crianças com jogos e brincadeiras. Larissa se ressente da falta de convívio com o restante da família e os amigos.

Como quem conhece bem o risco que a pandemia impõe, dias atrás ela teve de conter o pai, que ensaiou sair do isolamento para ver os netos. Aos 62 anos e com pré-diabetes, ele queria porque queria ver os netos. Ela o enquadrou de imediato. A mãe, com 55 anos e sem comorbidades que a coloquem no grupo de risco, recebeu um salvo-conduto, mas só para “socorrer” a filha em um domingo. A emergência? Larissa estava com saudade da comida dela e abriu uma ligeira exceção nas regras de isolamento, levadas a sério pela família. Neste momento atípico, a bióloga diz que não é a pressão por exames em ritmo industrial que mais lhe tem causado incômodo, mas a falta de contato com as pessoas. “É muito difícil não abraçar.”

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  1. Que linda você, bióloga Larissa! Que senso de responsabilidade e doação ao próximo! Para mais que sua obrigação, você está deixando a família com filhinhos de dois, cinco e sete anos - auge de atenção e carinho - e se dedicando a exames de milhares de estranhos, desconhecidos, anônimos também. Deus está abençoando você e toda a sua família. Você terá sua recompensa em dias melhores e rezo a Jesus para que proteja a todos aí: família, companheiros de serviço, amigos.

  2. Que os profissionais da área lutem pelo aprimoramento da pesquisa científica no Brasil, em situação de precariedade e obsolescência, devido ao pouco caso com que foi tratada nas últimas décadas! Investimentos já!

  3. Grata por tudo que você e incansável equipe vêm fazendo por nós, brasileiros. Parabéns pelo exaustivo mas, sobretudo, brilhante trabalho, Larissa! Sinta-se abraçada por todos nós!

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