Carlos Fernandodos santos lima

As pandemias que assolam o Brasil

03.04.20

“Não se faz Copa do Mundo com hospitais.” Talvez, nesta crise do coronavírus, Ronaldo Fenômeno esteja pagando um preço alto pela bobagem que disse por diversas vezes nos anos anteriores à realização da Copa do Mundo de 2014. Afinal, desculpando-o, ele apenas papagaiava como embaixador de nossa Copa do Mundo a euforia desenvolvimentista do governo Lula, mais preocupado com sua política do “pão e circo” do que com a construção de bases estáveis para o futuro do país.

É certo que não há desenvolvimento sustentável sem investimentos públicos em quatro pilares essenciais: educação, saúde, segurança e infraestrutura. Infelizmente o Brasil está constatando — vide o esfacelamento de qualquer governo viável do estado do Rio de Janeiro por obra de uma corrupção institucionalizada que culminou no debacle do governo Sérgio Cabral; ou a incapacidade de nosso ensino de capacitar o brasileiro para as mais comuns atividades do dia a dia, ou agora a crise grave da pandemia do coronavírus — se não a nossa falência como país, a inadimplência de sua classe política em oferecer serviços públicos que atendam minimamente a população brasileira.

Exemplos como esse poderiam ser arrolados às centenas. São tantos e tão profundos os problemas brasileiros que muitos, como se mergulhados inteiramente nesse estado de coisas não conseguissem ver outra realidade possível, reproduzem acriticamente as desculpas esfarrapadas de nossa classe política, a maior responsável pelo estado geral de coisas, como se fossem verdades. “A política é assim mesmo” ou “querem criminalizar a política” parecem ser justificativas para que se aceite a péssima gestão de prioridades, a má distribuição de verbas e até mesmo a corrupção pura e simples como um preço para que tenhamos o “privilégio” de sermos governados por essa “elite” de políticos profissionais.

A corrupção mata! E brasileiros irão sentir agora o quanto hospitais são mais importantes que futebol. A Copa do Mundo custou aos cofres públicos cerca de 5 bilhões de reais — valor esse que, como comprovou a Operação Lava Jato, foi em parte significativa desviado para o sistema político corrupto que sustentava o governo Lula. Por aceitarmos as péssimas (e criminosas muitas vezes) decisões daquele governo e de sua sucessora, a média de leitos em hospitais caiu no Brasil de 2,23/1.000 habitantes em 2010, para 1,95/1.000 habitantes em 2019. Hoje temos menos leitos por habitante que países que colapsaram durante a pandemia do coronavírus como a Itália (3,18/1.000) e a Espanha (2,97/1.000).

E sequer estamos falando de leitos em Unidades de Terapia Intensiva ou equipamentos de ventilação mecânica disponíveis para a maioria da população brasileira. Os hospitais que atendem o SUS, ou seja, atendem 75% da população brasileira, oferecem apenas 25% dos leitos em UTI, enquanto que os 25% da população que podem pagar um plano de saúde – dentre os quais me incluo – têm acesso aos outros 75% dos leitos. Não estou aqui a defender a privatização ou estatização da saúde no Brasil, mas a constatar que o setor público não atende minimamente a promessa constitucional, certa ou errada não vem ao caso, de saúde universal.

Ainda se fosse apenas a Copa do Mundo um caso isolado de corrupção, mas a Operação Lava Jato demonstrou claramente que tudo no Brasil era objeto de propina. Chegamos ao cúmulo de subornar membros do Comitê Olímplico Internacional para que a Olimpíada fosse realizada no Rio de Janeiro. Como aconteceu com a Petrobras, por trás da euforia carnavalesca da decolagem do Brasil, os governos Lula e Sérgio Cabral estavam apenas gastando o máximo de dinheiro possível em obras e serviços desnecessários para permitir que empreiteiras e fornecedores lhes pagassem imensas propinas. E isso se repetia em todos os níveis, seja em governos estaduais da situação ou da oposição, como é exemplo o caso do Rodoanel de São Paulo.

Agora vem a conta. Precisamos urgentemente de leitos, ventiladores mecânicos e profissionais qualificados. São necessárias medidas extraordinárias de benefícios sociais para os mais necessitados, de subsídios para micro, pequenas e médias empresas. São necessárias medidas para que a economia ganhe força após a crise passar. Todas essas medidas vão contra a austeridade fiscal que normalmente se exige dos governos, mas o momento é excepcional e medidas de exceção são a resposta. Bilhões de reais serão necessários para a economia brasileira sobreviver e com certeza o prejuízo aos cofres públicos seria bem menor se estes já não estivessem dilapidados pela corrupção histórica brasileira.

Agora algumas autoridades, nesse sentido, lembram dos bilhões recuperados pela Operação Lava Jato. Algumas dessas mesmas autoridades são aquelas que criticaram a atuação da força-tarefa Lava Jato quando esta negociou com os americanos que a maior parte da multa aplicada na Petrobras ficasse para os brasileiros. Pais postiços do sucesso das investigações surgem aos montes, alguns deles até se elegendo para altos cargos na República, mas defensores reais de mudanças nesse estado calamitoso de confusão entre o público e o privado no Brasil contam-se aos dedos. A maioria prefere defender seu político de estimação, como uma manada cega, ou seus interesses corporativos ou pessoais, infelizmente.

Se não houvessem o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal capitaneado o enfraquecimento das investigações, pretéritas, atuais e futuras, diga-se, poderíamos estar em melhores condições para enfrentar essa pandemia. Mas mais que isso, poderíamos estar enfim capacitados para enfrentar a pandemia da falta de educação básica, da falta de segurança nas grandes cidades, e da falta de condições de infraestrutura para dar conta de nosso potencial de desenvolvimento econômico. Em vez de Olimpíada e Copa do Mundo, enfim, precisamos de estradas, escolas e hospitais. Em vez de sustentar um sistema político corrupto precisamos democraticamente mudar tudo isso.

Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado e foi um dos procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

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