José Patrício/CrusoéLulinha em flagrante de Crusoé: ao volante de sua SUV com placa personalizada

A bonança continua

Agora investigado pela Lava Jato, Lulinha segue vivendo como um nababo – e, à diferença do que diz Lula, seus negócios vão muito bem, obrigado
27.03.20

Poucas horas após obter uma emblemática vitória no chamado tribunal da Lava Jato, em Porto Alegre, Fábio Luís Lula da Silva surgiu no prédio que abriga seu cipoal de empresas, na zona oeste da capital paulista. Lulinha carregava uma sacola com garrafas de vinho e um indisfarçável alívio estampado no rosto. Seu principal sócio, Kalil Bittar, o “Kaká”, já o aguardava no conjunto 11, no primeiro andar da torre comercial. A tarde caía naquela quarta-feira, 11 de março, quando a patuscada começava no novo QG do time liderado pelo “Fenômeno”. A dupla brindava a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede na capital gaúcha, de tirar de Curitiba e mandar para a Justiça Federal de São Paulo a investigação sobre as transações suspeitas entre o grupo Oi/Telemar e as firmas ligadas ao primogênito do ex-presidente Lula que envolvem 132 milhões de reais. Os desembargadores entenderam que não havia uma conexão clara desse caso com o do sítio de Atibaia que justificasse a permanência do processo no sul do país.

Até vislumbrar o novo horizonte jurídico, Lulinha vivia praticamente recluso no luxuoso apartamento de 335 metros quadrados em Moema, bairro nobre paulistano. O imóvel, avaliado em 7,5 milhões de reais, pertence nominalmente ao empresário e ex-sócio Jonas Suassuna, um dos donos formais do sítio de Atibaia. A unidade tem quatro espaçosas suítes, uma delas com jacuzzi, um amplo terraço gourmet e quatro vagas na garagem, onde o filho de Lula guarda seu único carro hoje, uma SUV prata cuja placa leva suas iniciais, FLS. A unidade foi reformada e mobiliada em 2013, com um investimento de 1,6 milhão de reais. A maior parte da conta foi bancada pelos sócios de Lulinha.

Aos 45 anos de idade, o biólogo e ex-monitor do zoológico de São Paulo recolheu-se depois que a força-tarefa paranaense deflagrou a Operação Mapa da Mina, em dezembro passado, para rastrear os repasses que seu grupo empresarial recebeu da gigante de telefonia. Desde então, Lulinha nunca mais sentou-se à mesa do La Ventana Parrilla, restaurante argentino na esquina de sua rua, onde costumava levar os parceiros de negócios para saborear um bife ancho a 82 reais o prato. A rotina externa se restringia, basicamente, ao transporte dos filhos à escola — um colégio americano de 4,5 mil reais a mensalidade —, e visitas esporádicas ao escritório de Pinheiros, para onde levou quatro de suas empresas, em novembro do ano passado.

José Patrício/CrusoéJosé Patrício/CrusoéO primogênito de Lula ainda mora no apartamento de Jonas Suassuna, em um dos endereços mais exclusivos de São Paulo
O cerco da Lava Jato, contudo, não inibiu o “Ronaldinho dos negócios”, como Lula se referiu ao filho em 2006, de expandir sua teia empresarial. Desde o mês passado, uma nova firma da família Lula da Silva passou a ocupar o QG corporativo, onde o custo total de locação beira os 18 mil reais. Ao que tudo indica, mais uma empreitada que tenta pegar carona na influência do patriarca petista. A Identità Comércio de Vestuários e Acessórios Ltda foi registrada no último dia 17 de fevereiro em nome de Renata de Abreu Moreira, mulher de Lulinha, e Thiago Trindade Lula da Silva, sobrinho dele e neto do ex-presidente que também é assessor do deputado federal Vicentinho, do PT. Os dois nunca foram vistos no local. A empresa foi aberta para fazer e-commerce (venda exclusiva pela internet) de uma série de produtos, como roupas, calçados, livros e pôsteres. Manuscritos apreendidos dois meses antes pela Polícia Federal na casa de Kalil Bittar dão mais detalhes sobre a loja virtual planejada por Lulinha.

Em meio a uma porção de papéis coletados pelos agentes no imóvel em São Paulo, aparecem anotações referentes a um site chamado www.lulinha.com.br, destinado à venda de “produtos” como “T-shirts”, “canecas” e “livro”, que seriam relacionados ao ex-presidente Lula. O portal, segundo a descrição feita à mão, teria também “base de fotos e legado” e seria elaborado pela G4 Entretenimento, a empresa de Lulinha e dos irmãos Kalil e Fernando Bittar que fica na mesma sala da recém-criada Identità, que significa identidade em italiano. Crusoé confirmou que o domínio lulinha.com.br foi oficialmente registrado na internet pela G4 em junho de 2016, mas ainda não está ativo. Em outra folha apreendida, o nome “Fabio”, provavelmente Lulinha, aparece como o responsável pelo “e-commerce” no projeto, logo abaixo de citações à CUT, a central sindical ligada ao PT, e à JML, a empresa de João Muniz Leite, o contador da família Lula. Os rascunhos trazem ainda uma série de contas matemáticas indecifráveis cujos valores variam de 200 mil a 1 milhão de reais.

Foi João Muniz quem abriu o conjunto 11 para abrigar as empresas de Lulinha, depois que o empresário Jonas Suassuna, o “Tio Jonas”, rompeu a sociedade com o filho de Lula em outubro do ano passado, após doze anos de parceria, numa tentativa de se desvincular do clã. O advogado do empresário diz que ele tem cobrado de Lulinha o pagamento mensal do aluguel do apartamento de Moema, que há sete anos custava 15 mil reais – hoje as locações por lá custam 35 mil. Além de vizinho de sala de Lulinha, o contador ocupa todo o sexto andar do prédio em Pinheiros. Muniz é o homem encarregado da vigilância contábil, capaz de ir a hospital colher assinaturas em série de um paciente, para apresentar recibos à Justiça, como admitiu ter feito em depoimento ao então juiz Sergio Moro, no caso envolvendo o segundo apartamento de Lula em São Bernardo do Campo, que estaria em nome de um laranja. Papel semelhante é desempenhado por ele nas empresas de Lulinha, cujas inúmeras transações financeiras entre si no período em que receberam vultosos repasses da Oi ainda são objeto de investigação.

José Patrício/CrusoéJosé Patrício/CrusoéO novo endereço das empresas de Lulinha: ele brindou com Kalil Bittar a transferência da investigação para São Paulo
A maior das empresas da teia do Fenômeno é a Gamecorp, que tem capital de 6,48 milhões de reais e a Oi como sócia até hoje, com 29,9% de participação, embora seus representantes não compareçam às assembleias de acionistas desde o pedido de recuperação judicial feito pela companhia, em 2017. Criada por Lulinha em dezembro de 2004 – na metade do primeiro mandato de Lula –, para operar um canal de televisão paga com programação voltada ao público jovem, com games e música, a PlayTV, a Gamecorp recebeu 82 milhões de reais da Oi/Telemar entre os anos 2005 e 2016, segundo a Lava Jato. No início, a emissora chegou a disputar audiência com a extinta MTV Brasil. Tinha como carro-chefe um programa de entrevista e jogos comandado pelo apresentador Luciano Amaral, que ficou famoso na década de 1990 com o personagem Lucas Silva e Silva, do seriado Mundo da Lua, da TV Cultura. A TV nunca decolou. E a situação da empresa foi se tornando mais delicada à medida que começaram a vir a público os aportes milionários no negócio de Lulinha feitos pela gigante de telefonia interessada em decisões do governo do pai dele, as publicidades pagas por estatais no pequeno canal fechado, além da própria evolução patrimonial do primogênito do então presidente da República.

Os escândalos afugentaram os anunciantes e minaram as receitas da PlayTV. O canal chegou a promover programas interativos com os telespectadores, que pagavam altas tarifas nas ligações a uma operadora que costumava repassar um percentual ao canal. Em 2016, um garoto de 11 anos chegou a gastar 720 reais em nove telefonemas feitos para participar da atração, sem o conhecimento do pai, que depois conseguiu anular a cobrança na Justiça. Hoje, o canal reprisa uma série de programas de games gravados e vende horários na grade para os chamados infomerciais, de comércio de produtos pela TV, como o Medalhão Persa e o VIP Joias, ambos joalherias, durante as tardes e as madrugadas. A empresa que chegou a ter uma sede com estúdio próprio de gravação, hoje ocupa um conjunto comercial no 9º andar de um prédio empresarial na Vila Olímpia.

Laudos elaborados pela PF a partir de documentos apreendidos na sede da empresa mostram como a Gamecorp funcionou como uma distribuidora de dinheiro para a família e os sócios de Lulinha. Enquanto recebia repasses suspeitos por um lado, como um de 3 milhões de reais feito por uma agência de publicidade de um primo do banqueiro Daniel Dantas, acionista de uma telecom fundida com a Oi, a Gamecorp engordava as contas do grupo, seja por meio do pagamento de lucros e dividendos ou por meio de contratos de serviços com suspeita de superfaturamento, um forte indício de lavagem de dinheiro. Cerca de 5,5 milhões de reais foram transferidos para contas de empresas abertas em nome do filho do ex-presidente ou para contas pessoais dele e da mulher. Segundo a investigação, Lulinha terceirizava os serviços contratados por um valor bem abaixo do recebido.

Todo o material apreendido na empresa de Lulinha e em uma série de outras empresas suspeitas de integrarem o esquema da Oi acabou de deixar o Paraná. Com a celebrada decisão do TRF-4, o novo endereço do inquérito passa a ser a 10ª Vara Criminal de São Paulo, onde a peleja jurídica parece menos adversa para o filho do ex-presidente Lula. Professor da PUC, o juiz titular da vara é Silvio Luís Ferreira da Rocha. Nos últimos anos, ele emplacou uma série de artigos em sites e revistas de esquerda nos quais critica a condução e a sentença do processo do tríplex de Guarujá, que resultou na condenação de Lula. Já a juíza substituta, Fabiana Alves Rodrigues, tem em seu acervo de despachos a rejeição da denúncia apresentada pelo MP há cinco anos contra os aloprados do PT, pela compra de um dossiê nas eleições de 2006. Já é certo que o processo não terá a mesma publicidade que tinha na 13ª Vara Criminal de Curitiba, que havia negado todos os pedidos de sigilo feitos pela defesa de Lulinha. Para que os autos cheguem à fase de sentença, porém, ainda há um caminho tortuoso: a investigação precisa ainda ser concluída pela Lava Jato paulista, uma força-tarefa de oito procuradores que acumula 118 inquéritos e que, ao menos até agora, não inclui o caso em seu rol de prioridades. Naquela tarde de quarta-feira, não faltavam motivos para Lulinha abrir as garrafas de vinho e, animadamente, brindar com seu sócio.

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