Adriano Machado/Crusoé"O que apresento como credencial é o fato de ter sido sempre um contestador"

“O grande desafio desta eleição é derrotar a descrença”

O senador paranaense Alvaro Dias se coloca na corrida presidencial como ardoroso defensor da Operação Lava Jato e de seu efeito desinfetante sobre o poder, tenta se apresentar como uma novidade, mas sofre com as marcas que quatro décadas como político tradicional lhe impõem
06.07.18

Os 73 anos de idade do senador Alvaro Dias o colocam na condição de candidato mais velho entre os que disputam a Presidência da República. A despeito disso, ele tenta se vender como uma novidade. Com 40 anos de vida pública (a primeira eleição do presidenciável foi para vereador em Londrina, pelo MDB, em 1968), ele acumula práticas da política tradicional. Já passou por cinco partidos, abandonou alguns deles por falta de espaço e, hoje, tem como suplente no Senado um empresário investigado pela Lava Jato. Ao ser indagado sobre as trocas de legenda, ele diz que passou a maior parte de sua vida na oposição, sempre contestando o sistema político — aquele mesmo no qual se elegeu vereador, deputado estadual, deputado federal, governador e senador. Com cerca de 5% nas pesquisas de intenção de voto, ele tem incomodado adversários, em especial o ex-governador e ex-correligionário Geraldo Alckmin, de quem tira votos, especialmente no Centro-Sul do país. Nesta entrevista a Crusoé, o senador explica seu projeto de reduzir o tamanho da máquina pública, se esforça para reafirmar sua imagem de contestador do sistema e promete resistir até o fim ao assédio de partidos que tentam subtraí-lo da disputa.

O senhor se apresenta como o novo, mas está há 40 anos na política. Isso não é contraditório?
Esse itinerário percorrido é que autoriza a pregação da mudança, porque conheci o monstro nas suas entranhas e, por isso, creio que posso ser mais eficiente na tarefa de combatê-lo do que os demais candidatos. O que apresento como credencial é o fato de ter sido sempre um contestador.

O senhor também mudou muito de partido. Foi do MDB, PST, PSDB, PDT, PSDB de novo e agora é do Podemos. Isso não é postura de político tradicional?
Respondo isso com a palavra ‘coerência’. Mudei de sigla porque não temos partidos, mas apenas siglas para registros de candidaturas. Sempre fui um contestador dentro dos partidos, inquieto e desconfortável. As mudanças ocorreram para que eu não trocasse de lado e não barganhasse convicções, sempre procurando um partido que não encontrei até hoje.

Ainda não encontrou? Significa que seu partido atual não é ideal, então.
O Podemos se caracteriza como um partido-movimento. Tem como inspiração os movimentos europeus de insatisfeitos com a política. É um modelo sem um programa estático e que quer fazer uma leitura das prioridades da população. Isso me agradou.

O senhor não foi para o Podemos só porque o PSDB não lhe daria legenda para ser candidato a presidente, outra postura que é típica de políticos tradicionais?
A Renata Abreu (deputada e presidente do Podemos) me convidou. Não fiz nenhuma exigência — ao contrário do que alguns acreditam, de que entrei para ser candidato a presidente. A conversa que tivemos foi mais no sentido de respeitar princípios, de fazer a leitura correta do que se passa na sociedade, interpretar e entender que as prioridades se alteram em função das circunstâncias e da realidade social, que é dinâmica. Isso me animou. Eu precisava de uma motivação para continuar na atividade política. Foi só depois que surgiu a convocação para a candidatura.

O Podemos nasceu governista, o que é outra contradição com seu discurso de sempre ter sido contestador.
O partido estava no governo e a mudança para a oposição foi uma das condições que estabeleci para ingressar. Foi depois disso que se deixou a base governista. Perdemos até alguns parlamentares. O que revela meu perfil contestador é onde eu estive. Eu sempre estive na oposição, com exceção de dois momentos. Nos quatro anos em que governei o Paraná, de 1987 a 1991, e mais sete meses no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso quando, em 19 de agosto de 1999, fui à tribuna e rompi com o governo.

A impressão que se tem é que o Podemos é um partido tradicional, como os outros. Ele é de direita, de centro ou de esquerda?
É um partido de deputados de primeiro mandato. Então, ainda é um partido em construção. Ele não tem uma configuração clara, até porque o debate ideológico no Brasil se tornou esquizofrênico. Temos dificuldades de carimbar esquerda, direita ou centro. Se formos olhar esse quadro partidário anarquizado, vamos encontrar as maiores incoerências.

Seu partido tem políticos de diferentes perfis, desde o senador Romário até o deputado e pastor Marcos Feliciano. Isso ajuda?
Acho que isso ajuda. O partido tem de conviver com essas diferenças. O Brasil é uma nação que acolhe diferentes crenças e religiosidades. Temos que respeitá-las.

O senhor chegou a fundar um partido e depois o fundiu com uma agremiação do ex-governador Joaquim Roriz, que virou um símbolo da corrupção e da velha política.
Foi em 1993 que eu organizei o PST. Ainda não tinha muita clareza dessa situação do Roriz. Depois, o partido dele de Brasília se fundiu conosco. Acabamos aceitando a fusão, que resultou no Partido Progressista, porque se anunciava uma reforma política em que os partidos pequenos desapareceriam. E eu fiquei com receio de ter colocado em dificuldade parlamentares que se filiaram a nós.

E o que virou o Partido Progressista é sabido.
Depois eles fizeram fusão com o PDS do Paulo Maluf. Mas aí eu saí e fui para o PSDB por não concordar com isso. A fusão me obrigou a decidir entre a coerência e a mudança do discurso.

Sua mudança para o PSDB, logo na sequência das denúncias de compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique, também não contradiz seu discurso?
Tinha decidido abandonar a política, mas recebi um telefonema do Sergio Motta (então ministro das Comunicações). Vim a Brasília e ele me levou ao Fernando Henrique. Eles queriam que eu fosse candidato no Paraná. Falei para aguardar porque era justamente o período do debate da emenda da reeleição. Mas não participei disso.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO senador em seu gabinete: ele defende mudanças na forma de escolha de ministros do STF
Voltou e ficou pouco tempo. Por que saiu do PSDB nessa primeira vez?
Teve a venda de ações da Petrobras na Bolsa de Nova York e logo em seguida veio a instalação da CPI para investigar a corrupção no governo. Foi a gota d’água para eu romper. Houve reação contrária do presidente do PSDB, na época o José Aníbal. Ele propôs a minha expulsão e a expulsão do meu irmão, e fomos para o PDT. Depois, o Lula ganhou a eleição e eu previ que não ia dar certo ficar no PDT. Resolvi sair. Recebi um convite do PSDB para que eu voltasse e voltei. Fiquei 13 anos.

Por que saiu pela segunda vez?
Saí durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, porque defendi a tese de que que deveríamos optar pelo impeachment completo que envolvesse também o vice-presidente Michel Temer. Fiquei isolado.

Há quem avalie que o senhor tira votos do Alckmin no Sul do país.
Eles que tiram meus votos (risos). Veja, a sociedade evoluiu. Há no inconsciente coletivo um desejo irrecusável e irreversível de mudança no país e a mudança não passa exatamente por esses partidos rejeitados hoje. Justa ou injustamente rejeitados, mas muito rejeitados.

Como ex-tucano, acredita que Alckmin não sobe nas pesquisas por qual razão?
O país vive um momento de contestação ao establishment. PT, PSDB e MDB foram artífices desse sistema que causa indignação e que eu venho combatendo há muito tempo.  Por isso são rejeitados. Na minha visão, o problema não é o Alckmin, é o PSDB. Alckmin é vítima disso. O PSDB é um partido que teve bons momentos, mas a partir de certa etapa se tornou cartorial, com comando de cima para baixo impedindo o exercício da democracia interna. A base partidária aceitou passivamente as determinações da cúpula, e isso desgastou muito o partido.

O senhor também enfrenta situações que podem causar desgaste na campanha. O senador Romário, seu aliado, é acusado de irregularidades junto à Receita Federal. Isso não atrapalha seu discurso?
Não é conveniente transferir responsabilidades. Não creio que isso seja transferido para mim. Não tenho nenhuma preocupação.

Seu suplente no Senado é o empresário Joel Malucelli, cuja empresa é apontada pela Lava Jato como suspeita de pagar propina para ganhar a licitação da usina de Belo Monte. Não é outro problema?
Também não dá para transferir responsabilidades para mim. Ele tem que responder pelo que o acusam. Minha posição sempre foi de que a Lava Jato precisa ser apoiada de forma absoluta. Considero-o, até prova em contrário, um grande empresário, popular, ligado ao esporte e que há alguns anos deixou a empresa para se dedicar à atividade política. Se ele dever algo, responderá por isso.

Arrepende-se de tê-lo escolhido como suplente?
Não. Houve uma coligação e uma indicação partidária. Na verdade, é preciso aguardar as investigações. Não há como fazer pré-julgamento. Espero que, ao final, a conclusão seja de que ele não deu nenhuma escorregadela no plano ético.

Em 2009, veio a público a informação de que o senhor comprou passagens para viagens particulares, inclusive do seu filho, com dinheiro da cota parlamentar. Foi um deslize ético?
Foram três passagens. Na época, isso era uma prática comum porque tínhamos uma cota e podíamos usar com terceiros. Não havia impedimento. Aliás, costumo devolver grande parte das minhas cotas. Uso dois terços e devolvo um terço. Devolvo outros recursos também. Não recebo auxílio-moradia. Não uso os 15 mil reais de verba indenizatória. Nem aposentadoria a que tenho direito como ex-governador eu recebo.

Como o senhor enxerga Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Marina Silva e Jair Bolsonaro, os seus principais adversários?
Acho deselegante comentar. Minha formação me impede que eu atire pelas costas. Estou impedido de formular críticas na ausência deles. E o elogio não é inteligente estrategicamente.

Defende a convergência das candidaturas de centro, como o PSDB tem defendido?
Todos os postulantes veem com bons olhos a convergência desde que o consenso seja em torno dos nomes deles próprios. A convergência em torno de um só nome é difícil. Acho que é possível a redução do número de candidatos, mas sem eliminar uma disputa entre candidatos de centro. Há interesses partidários colocados e que dificilmente cederão lugar a um projeto de unidade nesse campo.

Isso não pode tirar o centro do segundo turno?
Tenho segurança de que o centro estará no segundo turno. Porque é o espectro ideológico onde está a maioria da população. Não sei se enfrentará a direita ou a esquerda.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéÁlvaro Dias durante evento na CNI, na última quarta-feira: ele defende a “reestatização” da Petrobras, cujos cofres foram pilhados durante anos
Quem estará no segundo turno?
Vou ficar com Carlinhos Vidente (um adivinho radicado no Paraná), que disse que eu vou ser presidente (risos).

O senhor vai até o fim mesmo?
Só quem não me conhece acha que vou desistir. Não há hipótese de recuo. Considero inevitável minha candidatura.

Quem é sua equipe de governo na área econômica?
Tenho conversado com muitos economistas de várias tendências e instituições. Estou tentando dar consistência ao nosso discurso, que basicamente passa pela preservação do tripé macroeconômico (meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante), agregando a política de saneamento financeiro e de transparência na administração da dívida pública.

E as reformas?
As reformas mais urgentes são a do Estado e as da Previdência e tributária.

Vai diminuir impostos?
Diminuir a carga tributária sem diminuir a receita. Um sistema progressivo que tribute mais a renda do que o consumo. Isso está sendo discutido.

E a reforma do Estado, por onde começaria?
Começa pela redução do Poder Legislativo.

E essa proposta passaria no Congresso?
Terá que passar. Ou mudamos ou seremos substituídos. Esse desejo de mudança que está no inconsciente coletivo é avassalador. Aqueles que resistirem a ele não sobreviverão na atividade. E o presidente da República em um regime presidencialista como o nosso, se tiver a coragem de propor as reformas e capacidade de comunicação, terá o apoio da população. Essa é a arma mais poderosa que pode ter um presidente para obter o apoio parlamentar. O Congresso não rema contra a maré.

Qual é a ideia exatamente?
Eliminar um terço do Senado, passando para dois representantes por estado. Na Câmara, precisa fazer novos cálculos, mas seria uma redução em torno de 20%. No Executivo, vamos reduzir ministérios e passar a navalha nos comissionados.

Que mudanças o senhor propõe na forma de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal?
Acho que da forma que está hoje, mesmo se o ministro toma uma decisão certa, ele fica sob suspeição pelo fato de ter sido indicado politicamente. Sou favorável a mudanças na forma de nomeação. Acredito que por meio de concurso, ou mesmo eleição interna na magistratura. Já sou autor de projetos que preveem concurso para a escolha de conselheiros dos tribunais de contas estaduais e também para o Tribunal de Contas da União. Acho que precisamos desvincular competência e mérito de política partidária.

Defende a privatização de estatais?
De todas, não. Temos que pensar em um grande programa de privatização, mas atendendo antes à necessidade de valorizar as empresas penalizadas pela corrupção e incompetência, a fim de não se privatizar na bacia das almas com prejuízo ao Estado. Há empresas estratégicas, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, que fomentam desenvolvimento econômico e, por esse motivo, não há nenhuma razão para privatizá-las. Só o Banco do Brasil no ano passado deu lucro de mais de 11 bilhões de reais, mesmo sendo aparelhado. Imagine se não fosse. Essas instituições tecnicamente qualificadas terão resultado ainda mais fantástico e ajudarão no crescimento do país.

E a Petrobras?
A Petrobras foi privatizada pelos corruptos e pela corrupção. Temos que reestatizar a Petrobras. Arrancá-la das mãos dos que a corromperam e dilapidaram e recolocá-la a serviço do país. A Petrobras não se privatiza. Você pode privatizar as empresas auxiliares, as subsidiárias. Na área de distribuição ou até na prospecção, você pode estabelecer a competição. Mas o comando tem que ser estatal para preservar os interesses do país. É uma empresa que diz respeito à soberania e aos interesses nacionais. Uma empresa que pode colocar recursos no caixa da União para atender setores especiais.

E a Eletrobras?
É uma empresa estratégica que tem que ser rediscutida. Primeiro é preciso recuperá-la economicamente. Depois se discute a privatização. As subsidiárias com certeza precisam ser privatizadas. Mas defendo que o controle acionário fique com o Estado, para evitar que consumidor de energia fique sujeito a outros interesses.

Já é possível dizer que a polarização entre PT e PSDB, que domina o segundo turno das eleições desde 1994, acabou?
Sim. Especialmente com a ausência do ex-presidente Lula, a pulverização de candidaturas tornou-se inevitável. A indignação reina e a descrença se generalizou. O grande desafio desta eleição é derrotar a descrença.

 

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