RuyGoiaba

“7 a 1 parcelado, como
o brasileiro gosta”

06.07.18

Leitor de Crusoé que assina a revista para ler suas excelentes reportagens (e, como tem gosto para tudo, talvez até um ou outro colunista): você está subsidiando uma atividade que não apenas é inútil como está fadada a desaparecer — e Deus o abençoe por isso.

Essa atividade é o jornalismo, coisa cara, que dá trabalho a quem faz e, se bem feita (“imprensa é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”, dizia Millôr Fernandes), desagrada gente à beça, especialmente seus alvos na política. Ela está perdendo espaço para textos cujo compromisso com os fatos é zero, mas que viralizam no WhatsApp e no Facebook porque vêm ao encontro do que as pessoas querem ler.

Exemplos? Pois não. Na semana passada, depois que a Alemanha foi eliminada na Copa, circulou nas redes sociais – com status de verdade — o seguinte texto: “México 3 x 0 Alemanha, Suécia 2 x 1 Alemanha, Coreia 2 x 0 Alemanha. 7 x 1 devolvido. Obrigado, amigos. Parcelado em três vezes, como o brasileiro gosta”.

Bem, a audiência de uma Copa se mede em bilhões de pessoas: o mundo inteiro sabe que o México ganhou da Alemanha por apenas 1 a 0 e, na verdade, os alemães VENCERAM os suecos por 2 a 1. A soma dos placares verdadeiros (Coreia do Sul 2 a 0 está certo) dá dois gols feitos pela Alemanha e quatro levados –”4 a 2”, portanto, e não “7 a 1”.

Como é possível que essa falsificação tenha circulado? É óbvio: há pessoas que se encantaram pela narrativa do “7 a 1 parcelado, como o brasileiro gosta” e não estão nem aí para a veracidade de uma coisa que ACABOU DE ACONTECER e o planeta inteiro viu. É o “pior para os fatos” de Nelson Rodrigues (que deve morrer) levado ao paroxismo. Se continuarem reescrevendo a história nesse ritmo, em 50 anos o 7 a 1 nunca terá existido — ou vai virar goleada do Brasil.

Ora, direis, é só um meme: as pessoas não se informam por eles, só querem rir com as piadas. Têm razão nesse caso. Ainda assim, ele é sintomático: como diz um grande amigo meu, as pessoas não querem informação, querem se sentir bem. E o jornalismo não faz ninguém se sentir bem, porque a verdade – como dizia a minha avó — não é bonita. A base da indústria de fake news é exatamente o leitor desejoso de “notícias” que apenas confirmem o que ele já pensa.

E assim segue o bonde da dissonância cognitiva: sem freio.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Os goiabas da semana são aqueles seres superiores, aquelas inteligências brilhantes que entram nas redes sociais para compartilhar o assunto importante X ou Y – geralmente divulgado com destaque pela imprensa — acompanhado da frase “olhem só o que o Congresso (ou o STF, ou o Executivo, ou a pessoa poderosa e execrável da vez) faz enquanto vocês ficam aí vendo a Copa!”.

Caro amigo imbecil, não sei se você sabe, mas muita gente consegue prestar atenção em dois assuntos simultâneos, ou até mais – não é como você, que não consegue mascar chiclete e caminhar ao mesmo tempo. E os problemas do Brasil não serão magicamente resolvidos assim que todo mundo parar de gritar “gol!”. Você já fará sua parte por um país melhor se conseguir deixar de ser chato.

Neymar e Paulinho suplicam: pare de ser chato (André Mourão/MoWA Press)

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO