O juiz Moro em seu gabinete: ele diz não travar uma guerra pessoal contra Lula (Adriano Machado/Crusoé)

MORO DESABAFA

Na primeira entrevista após a prisão de Lula, o juiz da Lava Jato fala de suas inquietações, do seu maior arrependimento, da vontade de passar um tempo fora do Brasil e da queda de braço do chefe petista com a operação: “Não é uma questão entre ele e eu”
04.05.18

As horas que antecederam a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram especialmente tensas para o juiz Sergio Moro. De seu apartamento em Curitiba, ele acompanhou minuto a minuto a negociação entre a Polícia Federal e os auxiliares mais próximos de Lula. Moro havia transmitido recomendações expressas para que os policiais evitassem excessos, e cuidou pessoalmente para que o cumprimento da ordem de prisão não desbordasse para a violência. Estava preocupado, em maior medida, com a decisão de Lula de se refugiar, cercado de militantes, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). Por telefone, o juiz falava com delegados e com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Sempre de olho nas imagens das tevês que transmitiam ao vivo a confusão armada em torno do sindicato. O juiz respirou aliviado quando o petista finalmente deixou o prédio e seguiu caminhando até os policiais que o aguardavam.

Restava completo, naquele instante, um ciclo importante da Lava Jato. Era a primeira prisão de um ex-presidente do Brasil condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. E estava dada a resposta para a pergunta que Moro mais ouviu em toda a sua existência, por onde quer que andasse: quando Lula iria ser preso? A Crusoé, o juiz da Lava Jato concedeu sua primeira entrevista exclusiva desde a prisão do ex-presidente. “Não é uma questão de mostrar quem é o mais forte”, disse Moro ao responder se se sentiu desafiado pela decisão de Lula de postergar sua apresentação à polícia.  À diferença do petista, que tenta confrontá-lo a todo tempo e reduzir seu apuro a uma perseguição implacável da Lava Jato, o juiz diz que, da sua parte, não se trata de uma guerra particular. “Isso nunca foi e não é uma questão pessoal entre ele e eu. Estou apenas fazendo o meu trabalho como juiz.”

O paranaense Sergio Moro, 45 anos, juiz há 22, casado, pai de dois filhos, recebeu Crusoé em seu gabinete, em Curitiba, no fim da tarde da sexta-feira 13 de abril. Nas respostas a seguir, ele trata de temas que, costumeiramente, procura evitar. Fala de sua relação com a fama, das ameaças de morte e da falta de apoio dos políticos ao combate à corrupção. Entre tímido e comedido, se esforça para não parecer que está confrontando seu condenado mais famoso, mas acaba por dizer o que pensa. Desde que Lula apareceu com força entre os alvos da Lava Jato, Moro temeu que qualquer ação mais incisiva contra o petista, como uma ordem de prisão preventiva, pudesse inflamar as ruas. Indagado se hoje, com Lula na cadeia, entende que a preocupação era excessiva, ele evita responder diretamente. Em outra passagem, porém, deixa escapar sua constatação ao se referir àqueles que dizem que a Lava Jato está colocando a democracia em risco no país: “Não vejo revolução, revolta nas ruas”.

O mesmo ocorre quando é indagado sobre as vezes em que votou em Lula e no PT. Ele, de novo, escapole. Mas não deixa de mencionar, em seguida, as suas decepções com a política e as situações em que políticos transigiram com a ética “em nome da governabilidade”. O juiz desabafa, sempre de maneira contida, ao se queixar das críticas e dos constantes ataques que sofre, seja de investigados e de seus advogados, seja de militantes partidários. Moro fala, ainda, da “promessa” que fez de não entrar para a política, da vontade de mudar de ares, de seu maior arrependimento na condução da Lava Jato e dos momentos que considera os mais difíceis ao longo dos pouco mais de quatro anos da operação. Aproveite a leitura.

O PLANO DE DEIXAR A LAVA JATO, OS EFEITOS DA FAMA E O MEDO DE MORRER

Até quando o juiz Sergio Moro estará na Operação Lava Jato? 

Eu já fiz prognósticos no passado de quando a operação se encerraria. Foram prognósticos que me pareciam razoáveis, mas que se mostraram também equivocados. Eu gostaria de sair realmente, porque foi um trabalho realmente desgastante. Gostaria de sair, de ter oportunidade para aprimorar meus estudos, até para retornar sendo um melhor juiz. Mas gostaria de fazê-lo quando esse trabalho estivesse encerrado. Como já me enganei no passado, prefiro não fazer novo prognóstico. Mas existe, sim, esse plano.

Qual é o plano exatamente?

É passar um tempo fora, no exterior, estudando. O direito comparado ajuda muito a abrir os horizontes, a abrir a nossa mente. Nos acostumamos tanto a pensar e fazer as coisas de uma determinada maneira que não imaginamos alternativas. E quando se vai lá fora e se conhece aquilo que se faz de maneira diferente é sempre uma oportunidade para crescer. Mas, com certeza, pelo menos em 2018, a operação segue.

O senhor é hoje uma das personalidades mais conhecidas do país. Como lida com a fama?

Tem que ter sempre o pé no chão. Esse não é um trabalho de um único indivíduo. Envolve várias pessoas, de várias instituições. Do Judiciário, do Ministério Público, da polícia principalmente. Mesmo no Judiciário, há magistrados de várias instâncias que trabalharam no caso. A Lava Jato foi possível porque teve suporte do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. É preciso ter presente que os méritos são institucionais, o que é o lado mais importante. A operação será algo positivo se, ao final, tivermos instituições mais fortes. Estamos caminhando para isso. Esses processos estão sendo conduzidos de maneira adequada e chegando a resultados que eram inusitados antes, mostrando que as instituições brasileiras estão firmes, estão fortes. Tenho lido por aí comentários equivocados de que a democracia está em risco. Não vejo isso. Não vejo revolução, revolta nas ruas. Não vejo risco de retrocessos autoritários. Eu vejo o contrário. As instituições estão funcionando, e o que está prevalecendo é o império da lei. A impunidade que nos envergonha, embora ainda exista, não está mais no mesmo nível do passado. Tendo isso presente, eu chego à conclusão de que a fama pessoal é passageira, que decorre do calor do momento. Essas coisas passam.

Qual é o custo da Lava Jato sobre a sua vida e a de sua família?

O principal aspecto é a quantidade de trabalho, que tem sido muito intenso. Não que no passado não fosse. Eu já tive outros casos complexos. A jurisdição criminal, não só para mim, é sempre um desafio. Com essa operação, pela dimensão e pela complexidade, o trabalho ficou ainda mais difícil. Esse talvez seja o aspecto principal. O outro é o aspecto da fama. É uma coisa um pouco incomum um juiz ser reconhecido na rua, aonde ele vai. Isso muda um pouco seu planejamento de vida. Sobre a questão da segurança eu não posso entrar em detalhes, mas fiquei feliz quando, no ano passado, tive a grande oportunidade de conhecer magistrados italianos que trabalharam na Operação Mãos Limpas, que fizeram um trabalho muito destacado e que também se colocaram em situação de risco. Para minha alegria, eles estão todos um pouco mais velhos, mas vivos e saudáveis. A minha expectativa natural é que eu possa percorrer todo esse caminho sem incidentes de violência. É claro, no entanto, que preciso tomar uma série de cautelas.

Afora o fim trágico, evidentemente, Sergio Moro está para a Lava Jato como Giovanni Falcone esteve para a Mãos Limpas?

Não colocaria dessa forma. Acho que são realidades distintas, processos com características diferentes. Na verdade, o Falcone trabalhou mais em processos envolvendo a máfia na Sicília, a Cosa Nostra, que tinha conexões políticas também. É um magistrado que serve de exemplo para o mundo inteiro. Eu tenho uma grande admiração por ele. Tive uma vez uma oportunidade interessante de dar uma palestra aqui no Brasil em que o assunto era o trabalho dele. Por caminhos inimaginados, essa informação chegou à irmã dele, e ela mandou uma carta de agradecimento. Giovanni Falcone é um modelo, um ídolo para juízes do mundo inteiro, mas eu não faria qualquer espécie de comparação.

Nesses quatro anos de Lava Jato, o senhor teve medo de morrer?

Não. Eu sou um juiz criminal faz tempo e um juiz, assim como um policial, procurador ou até advogado, se envolve em situações de risco. Como disse, esse não é o primeiro processo que envolve situação de risco em que atuei. No passado, já tive casos envolvendo líderes de organizações de tráfico de drogas aqui do Brasil e até estrangeiras que levaram a situações de bastante tensão.  Então, (morrer) não é uma coisa que passa muito pela minha cabeça.

Qual foi o seu maior susto do início da operação até agora?

O mais surpreendente de tudo é que era uma investigação que, não vou dizer que era pequena, mas que tinha foco em indivíduos envolvidos em lavagem de dinheiro profissional. Não se tinha presente que o caso poderia atingir a dimensão que atingiu. O que mais assustou foi esse crescendo da evolução das investigações.

OS ATAQUES E A ‘INFANTILIZAÇÃO’ DO DEBATE NO BRASIL

Os frequentes ataques que o senhor sofre, especialmente na internet, incomodam em que medida?

Não raramente o que tentam não é um ataque físico, mas sim um ataque à reputação. Tentam retirar a minha legitimidade e a minha credibilidade. Eu acho muito deplorável isso. Não vejo condições de vir publicamente, a cada momento, refutar as fake news que aparecem em sites ou, às vezes, até por supostos jornalistas. Eu acho que não vale a pena. Não se deve dar atenção a quem não merece. Tem um velho ditado que diz que não se deve atirar uma pedra em todo cão que ladra. É muito difícil lidar com isso porque não tenho bem presente até que ponto vale refutar explicitamente ou simplesmente ignorar. Na maioria dos casos, eu tenho simplesmente ignorado. Mas, como eu disse, acho isso deplorável. Claro que, em relação à Operação Lava Jato, existem críticas que são construtivas, existem críticas que a meu ver muitas vezes são injustas, mas que se encontram dentro do âmbito da liberdade de expressão e opinião. Algo diferente são as fake news.

O que mais o agrediu?

Eu já fui ofendido pessoalmente, até no sentido de que teria prevaricado e participado de crimes contra a administração pública. Fizeram isso também com a minha esposa, algo que a meu ver revela o baixo calão desse tipo de ofensor. Chegaram até ao extremo de ofender amigos e mães de amigos meus. É uma coisa extraordinária. Esse é um problema que o mundo tem que debater. Como lidar com essa questão das fake news e a distribuição dessas fake news nas redes sociais. Mas é um problema bastante complexo: como lidar com isso sem abrir oportunidade para censura prévia ou censura à liberdade de expressão. Há uma afirmação, por exemplo, de que a Operação Lava Jato seria seletiva. Mas as operações em Curitiba são focadas nos contratos com a Petrobras, que segundo os casos já julgados era usada para enriquecimento de agentes da própria Petrobras e de agentes políticos que controlavam a empresa na época. Então, é natural que os agentes políticos que aparecem na investigação em Curitiba sejam aqueles vinculados à coalizão governamental de então, e que hoje não necessariamente se encontram do mesmo lado. Temos agentes condenados de vários partidos. Temos gente do PTB, do PP, do PT e do PMDB. Por outro lado, se você for pensar nos desdobramentos da Operação Lava Jato, e a maior parte deles corre em outros juízos, fora de Curitiba, porque não estão centrados apenas nos crimes que envolvem os contratos da Petrobras, eles afetaram todo o espectro político brasileiro. Cada juízo tem sua velocidade, tem sua prática, e tem que ser avaliado. São casos em andamento. As pessoas precisam ter um pouco de paciência.

Desgasta mais lidar com os ataques ou ter que tomar decisões complexas na Lava Jato?

O trabalho é o mais importante. É a principal fonte de desgaste, por causa da quantidade e da sensibilidade dos casos em julgamento. O peso maior é esse. Os ataques à reputação são um dano colateral. Incomodam, mas esse não é o principal desgaste. Tenho a consciência tranquila do que eu fiz.

Além da acusação de que a Lava Jato seria seletiva, outro ataque recorrente apregoa que a operação é teleguiada por interesses estrangeiros e que o senhor seria um agente da CIA. Isso também o incomoda?

Isso é fake news. É algo tão sem sentido… O fato é que Brasil tem que amadurecer politicamente na minha opinião. Há gente que se comporta como se estivéssemos na Guerra Fria, na década de 1960, 1970, 1980. São outros os desafios do momento. E nós não podemos infantilizar o debate democrático. Críticas são cabíveis, mesmo ao trabalho da Justiça, e isso é algo natural na democracia. Mas isso nem é crítica. É total fake news. E, para minha surpresa, lendo sobre a história da Operação Mãos Limpas, descobri que lá  houve também acusação dessa espécie contra os magistrados, o que era até um pouco estranho porque alguns os chamavam de Toga Rossa, ou “juízes vermelhos”, porque entendiam que os processos recaíam mais sobre os partidos da centro-direita e não tanto sobre o Partido Comunista Italiano. Ao mesmo tempo, surgiu essa afirmação de ligação com a CIA, de que o objetivo era desestabilizar politicamente a Itália. São coisas sem sentido que não merecem resposta.

Depois do feito inédito de levar à cadeia um ex-presidente do Brasil, a Lava Jato pode ir mais além?

As investigações prosseguem, existem diversos processos que já foram julgados, outros que estão pendentes e fatos que ainda podem ser descobertos. Então, o trabalho não se encerra por conta da resolução de um caso específico.

Adriano Machado/CrusoéMoro pensa em passar uma temporada nos EUA ou na França

A VELHA POLÍTICA VERSUS A LAVA JATO E O ASPECTO PATOLÓGICO DA CORRUPÇÃO

Há fartos sinais de que, a exemplo do que ocorreu na Itália com a Mãos Limpas, a velha política está se unindo contra a Lava Jato. A operação está passando pelo seu momento mais difícil?

A Lava Jato tem quatro anos e já houve vários momentos difíceis. Há desafios novos que surgem quando se tem processos envolvendo pessoas poderosas política e economicamente, e sempre é de se esperar reações, seja de bastidores, seja de ações legislativas que dificultem o trabalho.

O que falta para o combate à corrupção no Brasil ser mais efetivo?

Até o momento existe um esforço muito grande por parte do que eu chamo de sistema de Justiça criminal. Estou falando da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário, mais alguns órgãos que vêm dando contribuição relevante, como a Receita Federal. Mas o enfrentamento da grande corrupção, disso que a gente tem chamado de corrupção sistêmica, essa corrupção disseminada, exige mais do que processos judiciais. Os processos são importantes, tem que haver resposta institucional, as pessoas que cometeram crimes têm que ser punidas, mas é preciso fazer reformas mais amplas que eliminem incentivos e oportunidades para a corrupção. Estamos cuidando apenas do aspecto patológico da corrupção, e não de suas causas, embora a impunidade seja também uma causa. Tenho a firme crença de que só enfrentar os casos na Justiça não é suficiente.

Era de se esperar que num momento como esse houvesse um engajamento maior dos demais poderes, como o Executivo e o Legislativo, em favor do combate à corrupção?

Houve algumas iniciativas interessantes, para ser bastante justo, como a Lei das Estatais aprovada no ano passado, que melhorou a governança das estatais e foi louvável. Mas diante do tamanho do problema revelado pelos casos já julgados (na Lava Jato), era de se esperar, com todo o respeito, tanto do governo quanto do Legislativo, mais iniciativas para fortalecer a Justiça criminal e para diminuir incentivos e oportunidades para a corrupção. Não é só questão legislativa. Muitas vezes são questões de prática, do dia-a-dia da administração pública. O que se faz ainda no Brasil, por exemplo o loteamento de cargos públicos, é algo que está na raiz dos crimes que surgiram na Petrobras. A Lei das Estatais foi um avanço, mas a meu ver não é totalmente suficiente. Além disso, embora se tenha fechado o cerco nas estatais, as regras não valem para a administração pública direta. As restrições saudáveis que valem para nomear um diretor na Petrobras não se aplicam para a nomeação de ocupante de um cargo importante em um ministério, por exemplo. As regras deveriam ser estendidas para nomeações em toda a administração.

Ter um presidente da República no exercício do cargo sob investigação, além de uma parcela importante do Congresso também investigada, dificulta?

Não posso tratar de situações específicas, mas, acima dos interesses individuais dos agentes políticos, existe o interesse maior que é o do país. E mesmo com dificuldades é preciso aprimorar as instituições.

O DESGOSTO DE UM EX-ELEITOR DE LULA COM A POLÍTICA

Como foi sua juventude e em que momento tomou a decisão de ser juiz?

Eu não falo sobre questões pessoais porque, na minha visão, não sou uma celebridade. Sou um juiz fazendo o seu trabalho. Não acho que detalhes da vida pessoal interessem. Minha vida foi uma vida banal. Foi uma vida normal, como das outras pessoas, sem muitos relatos que mereçam destaque.

E a decisão de ser juiz, em que momento surgiu?

Tinha uma inclinação por ciências humanas. Comecei a trabalhar em um escritório de advocacia durante a faculdade e realmente comecei a gostar dessa área. Embora seja belíssimo o trabalho do advogado e o do promotor, no trabalho do juiz tem a imparcialidade. O juiz não está vinculado a interesses de clientes. Embora o promotor não tenha cliente, ele também age como uma parte, defendendo o interesse da sociedade ou da vítima. Já o juiz tem essa característica de estar acima, de decidir simplesmente conforme a lei, buscando fazer justiça no caso concreto. Isso foi o que me atraiu. Ingressei na magistratura logo depois de me formar, relativamente cedo. Na época não tinha sequer limitação de idade para o ingresso.

O que fez o senhor votar em Lula e no PT?

Não revelo minhas preferências políticas nem votos pretéritos. Um juiz tem que tomar muito cuidado para não externar preferências políticas.

Antes da Lava Jato, já havia se desiludido muitas vezes com a política?

Foram feitos muitos sacrifícios em cima da governabilidade. É claro que isso é importante, mas a impressão que eu tenho é que desde a redemocratização, ou talvez até antes, pela vontade de se aprovarem determinadas políticas ou reformas, se transigiu muito com a ética. E isso na prática acabou levando ao fortalecimento de políticos não tão éticos. É um problema que tende a crescer. Se os políticos desonestos não encontram óbices para o sucesso, a tendência é que eles se reproduzam. Até porque eleições custam caro, e se tem um político desonesto que tem condições de se valer de recursos que o honesto não tem, a tendência é que ele tenha vantagens competitivas. Então a Justiça também deve servir para contrabalançar essas vantagens competitivas com o risco de que ele vai ser punido, uma vez descoberto. Além disso, seriam necessárias reformas mais gerais para diminuir essas vantagens competitivas dos desonestos. Como, por exemplo, diminuir o custo das eleições. Na verdade, a política é uma das atividades humanas mais nobres. E há certamente bons políticos. É necessário, porém, que eles se sobressaiam. Esse é o papel do eleitor e das eleições.

A OPINIÃO PÚBLICA COMO ANTEPARO

Acredita que o Brasil ainda leva quanto tempo, ou quantas gerações, para reduzir sensivelmente o problema da corrupção?

Essa é uma questão muito difícil. Primeiro, as pessoas não podem ter a ilusão de que a Lava Jato vai eliminar a corrupção na administração pública ou na política. O que acontece na Operação Lava Jato são casos que, se provados, vão encontrar uma resposta que, espera-se, não seja a impunidade. Se houver condenação, isso vai afastar esses maus políticos em particular. Mas os casos de corrupção podem se repetir, podem surgir outras pessoas desonestas. O importante é que as instituições funcionem de maneira mais regular. Diminuindo a impunidade, há uma expectativa razoável de que a corrupção também diminua. Se formos examinar as experiências de diversos países, os resultados muitas vezes são díspares. Nos Estados Unidos, no começo do século 20, a corrupção era rampante. Por uma série de reformas, por uma ação mais efetiva da Justiça e também por alterações legislativas e diminuição de oportunidades de corrupção, a avaliação geral é que ela diminuiu. Não que os Estados Unidos não tenham problemas de corrupção, todo país os tem, mas pelo menos a percepção é de que a corrupção é bem menor lá do que na maioria dos países da América Latina, inclusive o Brasil. Por outro lado, se pegarmos o exemplo da Operação Mãos Limpas, havia a expectativa de que, pela dimensão e pelos números, que são até mais expressivos que os da Lava Jato, a Itália se tornasse um país muito menos corrupto. E há uma séria divergência a respeito disso. Mas talvez a responsabilidade não tenha sido da Operação Mãos Limpas. O fato é que se seguiu a ela uma operação política bem-sucedida por parte de quem não queria que as coisas fossem alteradas.

Precisamente o risco que o Brasil corre hoje.

Obviamente existem reações. O ideal seria que esse espírito de reforma, esse espírito de enfrentamento da corrupção, respeitado evidentemente o devido processo legal na Justiça, se reproduzisse de maneira mais intensa também nos demais poderes para que houvesse uma corrente mais firme numa única direção. Mas, se ocorrerem tentativas de reação, é preciso tentar impedi-las. Houve num determinado momento uma proposta de aprovação de anistia de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro travestidos de crime de caixa dois e o Congresso nem sequer colocou em votação. Isso foi bastante positivo. Mas até o fato de existir essa proposta é algo um tanto quanto desanimador. Aquele projeto das Dez Medidas, embora tivesse algumas propostas que podiam ser objeto de controvérsia maior, foi descaracterizado, apesar do grande anseio popular. No Senado, chegou a ser aprovado um projeto de abuso de autoridade que, a meu ver, pela redação, coloca em risco a independência judicial. Como se vê, surgiram reações. Mas, até o momento, não foram bem-sucedidas.

Como evitar que essa reação tenha êxito?

Por meio da transparência, da liberdade de informação e de uma cidadania ativa. Vamos colocar de maneira clara. Na parte dos trabalhos desenvolvidos até o momento, é inegável o apoio da opinião pública e da população brasileira. As pesquisas apontam um apoio maciço à Operação Lava Jato. Hoje temos um pouco menos, e as razões disso são difíceis de explicar, mas tivemos milhões de brasileiros nas ruas. Com bandeiras diversas, mas todos eles protestando contra a corrupção. Isso foi muito significativo. O que foi feito até aqui não é conquista do juiz, do procurador, do tribunal, mas da democracia brasileira. A maior manifestação de massa que houve na história do Brasil até hoje foi uma manifestação a favor dos trabalhos da Operação Lava Jato. Isso dá uma força muito significativa. Certamente o juiz não pode julgar segundo a opinião pública. Tem que julgar segundo a lei e as provas. Mas a opinião pública funciona certamente como anteparo para que a Justiça possa realizar seu trabalho sem obstruções indevidas — como, por exemplo, alterações legislativas que impactem o trabalho ou eventualmente até aquelas ações de bastidores que são muito difíceis de descrever.

Felipe Rau/EstadãoFelipe Rau / EstadãoLula preso: o ex-presidente tem Moro como um de seus maiores inimigos (Felipe Rau/Estadão)

‘MAIOR DECEPÇÃO’: SE O STF VOLTAR ATRÁS NAS PRISÕES EM SEGUNDA INSTÂNCIA

Qual foi a sua maior decepção na condução da Lava Jato?

Maior decepção? (Silêncio) Olha, se o Supremo Tribunal Federal tivesse revisto a execução após o julgamento de segunda instância, certamente a maior decepção seria essa. Mas o Supremo reafirmou o precedente. Certamente a presunção de inocência é importante, mas não pode tornar os crimes dos poderosos imunes à ação da Justiça. Essa nova jurisprudência surgiu no curso da Operação Lava Jato e acredito que o surgimento desse precedente foi influenciado pela Lava Jato e pela percepção de que o sistema anterior engessava a ação da Justiça, tornando-a inoperante, particularmente em relação aos crimes de grande corrupção. Isso foi uma esperança de dias melhores. Se o Supremo tivesse revisto esse precedente, teria um grande impacto. Passaria uma mensagem errada à sociedade no sentido de que fomos longe demais no enfrentamento da corrupção e temos que voltar. Isso não seria correto. Essa seria a minha maior decepção, mas ela não ocorreu.

Ainda há um movimento no Supremo para rever esse entendimento.

Sempre há essa possibilidade. Não me parece provável.

Se isso ocorrer, será certamente sua maior decepção?

Se ocorrer, sim. Não só por conta da Lava Jato. Essa é uma questão maior. Há muitos outros casos criminais relevantes correndo nas cortes do país. Alguns derivados da Lava Jato, outros sem relação assim tão próxima. A revisão do precedente impactaria a efetividade de todos esses casos. Na prática, significaria que, por mais que se colham provas dos crimes, essas provas não teriam resultado eficaz porque as pessoas sentenciadas e condenadas jamais cumpririam pena.

Significaria, portanto, manter a cultura da impunidade.

O processo criminal é simples. O inocente sai livre e o culpado tem que sofrer as consequências. Se tem uma situação em que alguém é declarado culpado com provas cabais e, ainda assim, esse alguém não sofre as consequências, isso agride a vítima, que pode ser uma pessoa ou pode ser toda a sociedade, como nos casos de corrupção. Funciona como um estímulo à reiteração de crimes porque aquela pessoa que não encontrou uma barreira a seu comportamento criminal tende a reiterar o comportamento e tende a se tornar um criminoso profissional em um cenário de impunidade. Muitas vezes são identificadas situações em que uma mesma pessoa se envolveu em vários escândalos criminais e políticos. Há um caso que não está comigo, e por isso eu posso falar abertamente, que é o do ex-ministro Geddel Vieira (Lima). Já se tinha notícia de envolvimento dele em condutas criminais na época da CPI dos Anões do Orçamento. Nada aconteceu. E o que se viu agora foi aquele apartamento (em Salvador, onde a Polícia Federal encontrou 51 milhões de reais). Se não há uma barreira para essas condutas criminais, elas tendem a se repetir.

O INCÔMODO COM A ACUSAÇÃO DE SELETIVIDADE NA OPERAÇÃO

O senhor falou de uma decepção que não aconteceu. Fale de uma decepção ocorrida.

(Pausa) Eu acho injustas as críticas de que o meu trabalho seria seletivo. Isso eu acho injusto. Aí há quem queira manipular a opinião pública e, no fundo, se defender. Não raramente, quem afirma isso não é porque quer ver punida a pessoa que ainda não sofreu os rigores da lei, mas sim porque quer usar isso como álibi para sair livre. Às vezes colocam responsabilidade aqui sobre a 13ª Vara de casos que nem se encontram em nossas mãos. Por exemplo: por que o “Fulano X” não foi processado e condenado e preso como o outro?  Muitas vezes o “Fulano X” nem responde a processo aqui porque tem foro privilegiado, ou responde a ação penal em outro juízo.

O senhor está se referindo àqueles que perguntam por que o ex-presidente Lula está preso e o senador Aécio Neves, por exemplo, está solto?

Eu não gosto de nominar os casos, mas não seria só o caso do senador. Existem outras situações também. Eu acho isso injusto. Às vezes, as pessoas dizem até por certa incompreensão. Mas não temos aqui em Curitiba uma jurisdição universal.

TEORI, OS MOMENTOS DE MAIOR TENSÃO E O EPISÓDIO CRUCIAL

Eu perguntei sobre a maior decepção. E o momento de maior tensão na Lava Jato, qual foi?

Olha, foram vários momentos de tensão. Logo no início houve aquela decisão do ministro Teori Zavascki que determinava a liberação de todos os que tinham sido presos preventivamente na primeira fase da operação: Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e um grande traficante de drogas. Aquele foi um momento muito difícil, até porque entendíamos que a prisão preventiva era necessária, e estávamos diante de criminosos profissionais. Havia também risco de fuga e risco de destruição de provas. Mas, depois de melhor informado sobre as características do caso, o ministro Teori Zavascki voltou atrás e manteve as prisões. Liberou apenas o Paulo Roberto Costa, que depois foi preso novamente e ele manteve a prisão. Mas aquilo levou um dia (Moro enviou a Teori um pedido de reconsideração da decisão, um movimento ousado). Esse foi um momento de bastante tensão, na linha de achar que o trabalho talvez estivesse perdido. Seria uma sinalização complicada.

 A Lava Jato estaria natimorta se o ministro Teori não tivesse voltado atrás?

Sim. Não que não pudesse continuar sem a prisão preventiva, mas a mensagem seria um pouco complicada porque eram casos claros em que havia prova robusta e era necessária a prisão. O próprio Paulo Roberto Costa foi preso porque ocultou provas e destruiu provas durante uma busca e apreensão. Alberto Youssef tinha descumprido um acordo de colaboração pretérito. E havia um traficante responsável por uma carga de, salvo engano, de mais de 600 quilos de cocaína. Foi, de fato, um momento de muita tensão.

E os outros?

A primeira audiência pública na qual Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef revelaram a extensão dos crimes na Petrobras foi outro momento de tensão. Houve alguns vazamentos anteriores do conteúdo dessas colaborações, vazamentos reprováveis, mas o fato é que a audiência foi a primeira vez em que eles falaram na inteireza, e aquilo pôde vir a conhecimento público. Também foi um momento tenso no sentido de que compreendi que não tinha mais retorno. Abrimos uma porta e não tinha como voltar atrás. Outro momento de muita tensão foi a fase da operação em que houve as prisões cautelares de vários dirigentes de empreiteiras, ainda em 2014, pela dimensão daquela investigação e pelo poder econômico dos presos. E depois, no ano seguinte, quando houve as prisões dos dirigentes da Andrade Gutierrez e da Odebrecht. Enfim, foram vários episódios tensos. E, não tem razão para ocultar isso, o próprio momento em que houve a condução coercitiva do ex-presidente. Acho que ali houve uma série de incompreensões a respeito do problema, porque é sempre difícil fazer qualquer diligência e porque haveria mobilização de militância. Naquele momento se tinha presente que seria feita uma busca e apreensão e havia risco de se fazer uma convocação de militância para cercar os lugares e colocar em perigo os policiais. Então era preciso realmente uma medida que, vamos dizer assim, dificultasse a obstrução dos trabalhos da polícia e evitasse risco não só para a polícia como para as pessoas que eventualmente tentassem impedi-la. Enfim, foram vários os momentos tensos nesses quatro anos.

Moro demorou a aceitar as recomendações para que redobrasse os cuidados com a segurança

A AFRONTA DE LULA

E a prisão do ex-presidente Lula, como o senhor acompanhou?

Esse é um fato muito recente. Não gostaria de comentar.

O senhor deu um prazo para ele se entregar que acabou descumprido. Como foi lidar com essa situação?

Essa é uma questão que envolve fato muito recente. O juízo tem uma série de limitações sobre aquilo que ele pode ou não pode responder. (Moro levanta-se da cadeira para imprimir um texto de 300 páginas que levaria para casa) Tudo o que eu tenho a dizer está nas decisões que proferi durante todo o processo, na sentença em particular. Quando eu recebi a ordem do tribunal, mandei cumprir a ordem. Fiz um relato do caso, basicamente, e só me preocupei com a questão do cumprimento. Achei que era oportuno conceder um prazo para o ex-presidente se apresentar por conta da dignidade do cargo. Também consignei que seria, para que não houvesse nenhuma preocupação quanto a isso, garantido o recolhimento dele em local apropriado pela dignidade do cargo.

Se sentiu desafiado pela decisão do ex-presidente de não se apresentar no prazo estipulado?

Não pretendo discutir casos específicos. Permito-me apenas uma resposta: o prazo foi concedido em virtude da dignidade do cargo por ele ocupado e igualmente para prevenir riscos aos policiais, a ele e aos militantes partidários, se o mandado de prisão tivesse que ser cumprido a força. O ex-presidente escolheu não aproveitar a oportunidade e entregou-se apenas no dia seguinte. A Polícia Federal fez um excelente trabalho, negociando a entrega e assim evitando riscos desnecessários a militantes partidários. Não é uma questão de mostrar quem é o mais forte, mas de agir com sabedoria. Mas não me senti desafiado, isso nunca foi e não é uma questão pessoal entre ele e eu. Estou apenas fazendo o meu trabalho como juiz, assim como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e os tribunais superiores.

O senhor sempre se preocupou com a possibilidade de a prisão do ex-presidente gerar comoção nacional. A efetivação da prisão mostra que essa preocupação era exagerada?

Eu não vou responder a essa pergunta.

O senhor se arrependeu de ter dado o tal prazo para que ele se apresentasse, em vez de ordenar a prisão imediata?

Também passo essa pergunta. Não me sinto confortável de tratar de casos concretos, especialmente desses do ex-presidente. Para um juiz, não é saudável.

A ‘RETÓRICA’ DE GILMAR, A INSÔNIA E A LENTIDÃO DOS TRIBUNAIS DE BRASÍLIA

Alguma vez a Lava Jato lhe tirou o sono?

Sim, sim, em vários desses momentos de tensão. Houve preocupações.

Em qual, em maior medida?

Em todos esses episódios que relatei. São tensões naturais que acometem qualquer pessoa envolvida nesses casos.

O juiz Sergio Moro chora?

Não respondo a questões pessoais.

O senhor resiste a fulanizar, mas o ministro Gilmar Mendes o citou nominalmente dias atrás quando, ao fazer críticas à Lava Jato, perguntou ironicamente se o senhor “fala com Deus”. Também falou em “perversão de alguns” por prisões. Como o senhor recebe essas críticas do ministro?

Boa parte delas são argumentos retóricos, de momento. Eu particularmente tenho a consciência tranquila do que fiz, do meu trabalho. As decisões estão sujeitas a revogação das cortes de apelação e das cortes superiores. A grande maioria delas foi mantida. Quando houve alguma reforma (de decisão), isso faz parte de um sistema de erros e acertos dentro do sistema judicial. Por vezes, quando as decisões são reformadas, a corte que as reformou, além de ter a competência, tem razão. Eventualmente, tem a competência para isso e fez uma interpretação diferente do fato ou da prova ou da interpretação da lei. Isso faz parte do sistema. Eu não sou censor de ministro do Supremo. Acompanho com serenidade as críticas do ministro.

O que explica a diferença de ritmo no andamento dos processos da Lava Jato em Brasília e aqui em Curitiba? Os tribunais superiores deveriam ser mais céleres?

O trabalho da Operação Lava Jato é um trabalho institucional. Não só do Judiciário de primeira instância. Teve suporte das instâncias superiores. O Supremo Tribunal Federal tem proferido decisões importantes. Por exemplo, na mudança da jurisprudência em relação à prisão de segunda instância. Outra foi quando a corte entendeu que a lei brasileira era excessivamente permissiva no que diz respeito à contribuição eleitoral de empresas. Claro, eleições custam caro e precisam ser financiadas, mas a legislação permitia que empresas com contratos bilionários com o poder público pudessem em seguida fazer doações a partidos políticos que controlavam a máquina, o que favorecia relações inapropriadas. O Supremo aparentemente caminha agora para uma decisão, peço até escusas pela ousadia porque é uma decisão em formação, de restringir o alcance do foro privilegiado (o que ocorreu nesta semana). A questão do foro privilegiado é um problema há muito tempo. E vários ministros, inclusive do próprio Supremo, reconhecem que tribunal, assim como não é preparado para isso, não tem a vocação de instruir os casos desde o início. Agrava o problema esse sistema generoso em recursos. O Supremo é um tribunal que tem muitos processos, algo um tanto quanto irracional. E se isso afeta a velocidade de julgamento de um habeas corpus ou de um recurso extraordinário, afeta ainda mais o trâmite de um inquérito ou de uma ação penal originária. Na minha opinião, que é também a de vários ministros do próprio Supremo, o foro deveria ser eliminado ou severamente restringido porque ele não funciona bem, mesmo nos casos em que o ministro é absolutamente comprometido com o andamento célere do processo. A ilustrar isso temos o caso da ação penal 470, vulgo mensalão. Por maior mérito que tenham tido o tribunal e o relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, o caso levou seis anos entre o recebimento da denúncia e o julgamento. É estruturalmente difícil fazer com que esses casos caminhem de maneira célere. Essa é uma crítica pertinente.

A ‘PROMESSA’ DE NÃO SER CANDIDATO

O que é um bom político para Sergio Moro?

Essa referência a bom político é, no fundo, uma referência ao político honesto. O mau político é o político desonesto. O político pode ser de direita, de esquerda, de centro – há toda uma discussão hoje em dia sobre essas qualificações –, pode ser competente ou incompetente, ineficiente. Mas o que é intolerável é ser desonesto. E há, claro, os outros atributos qualitativos. É um erro também, a meu ver, tentar identificar o problema da corrupção com um espectro da política apenas. Existem políticos desonestos em todas as searas, assim como existem políticos honestos em todas as searas. Nós não podemos cair naquele erro de pensar que ninguém presta, porque não é assim. É a mesma coisa que dizer que todos são corruptos no Judiciário.

Por falar nisso, falta à Lava Jato chegar à corrupção no Judiciário?

Olha, essa é uma questão que às vezes surge, juntamente com a especulação de que alguns dos colaboradores estariam omitindo casos criminais envolvendo membros do Poder Judiciário. Esses acordos são feitos com o Ministério Público e, de minha parte, sempre vi empenho do MP para que essas pessoas falem toda a verdade, sem exagerar e sem excluir. Pode haver situações em que elas não digam toda a verdade sobre um caso, e sempre precisa de prova de corroboração, e pode haver situações, que talvez sejam mais comuns, em que elas simplesmente omitam casos, às vezes por receio de retaliação ou coisa que o valha.

Seu nome já foi incluído algumas vezes em pesquisas eleitorais. Já passou pela sua cabeça entrar para a política?

Eu fiz uma promessa que não ia concorrer a nenhum cargo político. Pretendo manter essa promessa. A meu ver não tem nada inerentemente errado no fato de um juiz, um procurador ou um membro da polícia seguir a carreira política. Por uma questão talvez de vocação ou por entender que isso seria inapropriado no presente momento, eu fiz a afirmação de que não pretendo seguir carreira política.

O senhor diz que seria inapropriado “no presente momento”. Descarta isso para o futuro também?

Descarto.

Ser apontado por  especialistas como alguém com grande potencial eleitoral é algo que de alguma forma o deixa tentado?

Há várias maneiras de contribuir para um país melhor. E uma das formas é tornar as instituições mais fortes, principalmente pelo que a gente chama de um governo de leis e não um governo de interesses pessoais ou especiais. E uma aventura dessa espécie (candidatura), e falo aventura porque não é algo assim tão simples, precisa ter um partido e recursos para uma eleição, seria danosa, a meu ver, para a criação de instituições mais fortes.

Adriano Machado/CrusoéNa juventude, o juiz era simpatizante das causas de esquerda

O MAIOR ARREPENDIMENTO: APARECER SORRIDENTE COM AÉCIO

O senhor disse recentemente que o ambiente na Lava Jato já foi mais harmonioso. O que mudou?

A Lava Jato foi conduzida por uma equipe policial que tomou caminhos diversos. A equipe que iniciou os trabalhos não está mais presente, em grande parte. Vieram bons policiais para trabalhar, mas o cenário é um pouquinho diferente. E, por outro lado, existe todo um cansaço, porque esse trabalho foi muito desgastante. Além disso, na perspectiva de Curitiba, há que se reconhecer que, dos casos de corrupção envolvendo a Petrobras, em grande parte o trabalho já foi feito. A meu ver os principais corruptores já foram julgados, vários cumprem tempo de prisão, vários dos principais executivos da Petrobras inseridos ali também já foram julgados, e agentes políticos destituídos de foro privilegiado que se beneficiaram e que ficaram sob nossa competência foram condenados e cumprem pena de prisão. Existem ainda casos relevantes, vários pendentes de julgamento, mas boa parte do trabalho já foi feito, pelo menos em Curitiba. Se for pensar em corrupção no Brasil, há grandes esquemas criminais que demandam uma resposta institucional. Desse ponto de vista, ainda tem muito a ser feito.

Como exercita a paciência para lidar com as provocações de advogados e réus, alguns em especial, que o provocam o tempo todo?

Lamentavelmente, em um ou outro episódio, eu perdi a calma. Em audiência, as cenas são gravadas e o retrato não é muito positivo. Mas às vezes o juiz está na audiência e tem obrigação de dar continuidade aos trabalhos e demonstrar autoridade. Infelizmente, às vezes houve necessidade de elevar a voz e se perdeu um pouco a paciência. Mas quando isso ocorreu, o contexto ilustra bem por que ocorreu, diante da necessidade de dar andamento aos trabalhos e não perder tempo.  A grande maioria das partes, procuradores, acusados e advogados, e aqui me refiro especialmente aos advogados, são profissionais dedicados e que respeitam os demais, inclusive os magistrados. Alguns, entretanto, seguem uma linha um pouco mais agressiva. Eu, particularmente, acho que do ponto de vista profissional não é o comportamento mais eficaz. Mas são escolhas que as pessoas fazem.

Enxerga nesse comportamento uma estratégia para desestabilizá-lo?

Eventualmente pode ter sido. Eventualmente pode ser o estilo. Mas tento manter ao máximo a serenidade.

O senhor sempre resiste a responder se já se arrependeu de algo que fez na Lava Jato. Vou insistir na pergunta: há algum arrependimento?

Olhando o nível de gravidade de vários desses casos, talvez eu devesse até ter sido mais rigoroso em vários dos casos. O mais difícil tem sido nem tanto o trabalho como juiz, mas o trabalho de comunicação pública, que é algo um pouco inusitado. Se eu fosse dizer algum fato de que me arrependi um pouco mais severamente, mas acho que isso é algo um pouco explicável, foi aquela foto com o senador (Aécio Neves) em um evento público. Nada contra o senador, ele tem os problemas dele na Justiça, tem que responder lá e ele que resolva os problemas, mas aquilo foi utilizado para ilustrar algo que não é real, para mostrar alguma influência do senador, alguma seletividade. O fato é que havia um evento público, e nesse evento eu estava sentado ao lado do senador e entabulamos uma conversa que foi espirituosa. Mas, evidentemente, nada foi tratado relativo a processo da Lava Jato ou a questões públicas. Eu não tenho relacionamento pessoal com o senador. Aquele foi um momento ruim, porque deu uma impressão errada, gerou uma impressão que não era verdadeira.

Quando diz que deveria ter sido mais rigoroso em alguns casos, isso inclui o do ex-presidente Lula?

Não me refiro a esse caso. Fazem muitas críticas às prisões cautelares decretadas na Operação Lava Jato, mas eu indeferi muitas prisões pleiteadas pelo Ministério Público Federal. Vendo retrospectivamente, talvez tivesse sido o caso de determinar mais prisões, dadas a dimensão e a gravidade dos fatos.

A cena, de dezembro de 2016, da qual Moro se arrepende (Alex Silva/Estadão)

O MAIOR INIMIGO DA LAVA JATO 

Por que o senhor se irrita tanto com o discurso de que a democracia no Brasil estaria em risco?

Não existe esse quadro. Quem afirma que a democracia no Brasil está em risco está desinformado da situação real. Existem várias controvérsias na política brasileira, mas a meu ver existe um consenso muito forte de que a democracia é algo positivo, e que não existem alternativas sérias à democracia. Claro que existe alguma insatisfação das pessoas que pensam em volta a regimes autoritários, mas a meu ver isso mais revela uma frustração momentânea com as conquistas da democracia do que propriamente um desejo real de uma solução autoritária. Esses processos através dos quais o problema da corrupção sistêmica no Brasil vem sendo enfrentada são prova da firmeza da democracia e das instituições brasileiras, e não o contrário. Subjaz à ideia de democracia a compreensão de que todas as pessoas são livres e são iguais perante a lei. As pessoas têm direito à mesma proteção da lei e também devem sofrer as consequências quando violarem a lei. Não tem ninguém acima da lei numa democracia. Então, ao contrário de uma visão pessimista, no fundo é o contrário: há vitalidade na democracia brasileira.

Seria uma tentativa de politizar um debate que não é da política, mas da Justiça?

Pode ser, mas por vezes há também um visão um tanto equivocada dessa instabilidade política que é momentânea. Alguém acredita que não haverá eleições este ano e que elas vão se desenvolver num quadro de anormalidade e violência institucional? Não temos assistido a isso. Ao fim desse processo, a minha crença é que a democracia estará ainda mais forte no Brasil do que no passado.

Sergio Moro já tem candidato a presidente?

Essa eu não tenho condições de responder. (Risos)

Tem ou não?

Eu? Eu não me manifesto sobre isso.

Quem é o maior inimigo da Lava Jato?

Acho que não existem inimigos, existem adversários. Pessoas que têm interesses especiais e entendem que esses interesses podem ser contrariados por conta do trabalho das investigações.

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