RuyGoiaba

Humor a favor non ecziste, como diria o padre Quevedo

04.05.18

Está cada vez mais difícil fazer humor engraçado no Brasil. Décio Pignatari, aquele poeta que babava Coca-Cola pela cloaca — não confundir com Décio Piccinini, ex-jurado do Show de Calouros e culturalmente mais relevante –, costumava dizer que aqui o surrealismo não tinha dado certo porque o país já era surrealista. (Outras frescuras francesas, como liberté-égalité-fraternité, também não deram muito certo no Bananão, mas não vem ao caso agora.)

É a mesma sensação que tenho ao tentar escrever uma coluna sobre humor e política num país em que o senador da República Lindbergh Farias olha para as nuvens, vê a imagem de Lula e publica isso nas redes sociais. Ou a senadora da República Gleisi Hoffmann lê “forza, Lula” na faixa “forza, Luca” estendida no estádio. Ou o deputado Jair Bolsonaro carrega no colo o vereador anão Zé Miúdo, de Itabaianinha, Sergipe, num misto de cena de chanchada e filme do David Lynch. A competição do humor involuntário dos políticos é deslealíssima.

Acresce que, hoje, bastam conexão à internet e uma conta nas redes sociais para julgar os vivos e os mortos (antes dava mais trabalho: era preciso ser crucificado, morto e sepultado, subir aos céus, sentar-se à direita de Deus Pai Todo-Poderoso etc.). Há um stand-up comedian em cada esquina e uma população de youtubers que já deve ter superado a de cidades como Campinas-SP (sugiro, aliás, um grande evento reunindo todos eles, os youtubers e os do stand-up, para facilitar na hora do ataque com napalm).

Enfim, vocês já captaram a mensagem. Mas longe de mim, goiaba liberal, reclamar da concorrência ou pedir subsídios à atividade humorística. Minha intenção aqui é tratar a política brasileira com o escárnio que ela merece, tendo sempre o seguinte norte: unicórnios, almoço grátis e humor a favor são coisas que, como diria o padre Quevedo, non eczistem. Sobretudo o humor a favor, puxador de saco — essa erva daninha que vicejou nos anos do petismo.

***

O lema desta coluna é “a plague o’both your houses!”, geralmente traduzido em português como “que a peste caia sobre vossas duas casas!”. É o grito de Mercúcio, o amigo do protagonista de “Romeu e Julieta”, ao ser morto, colhido pela espada de Teobaldo em meio ao conflito entre Montéquios e Capuletos.

Mercúcio, amigos leitores, somos nós. Adaptadas ao Bananão, as “duas casas” podem ser Câmara e Senado, mas também podem ser muito mais do que duas –- todas as facções dos três Poderes que têm negócios em jogo e se mobilizam para evitar que o Brasil ameace, apenas ameace, tornar-se um país decente.

Enquanto essa decência não vem, proponho substituir a indignação cívica pela indignação cínica e trocar o “ordem e progresso” da bandeira pelo meme de internet que melhor traduz o Brasil: “crime ocorre, nada acontece, feijoada”. No mínimo, melhor que o “tem que manter isso, viu?” que os marqueteiros de Michel Miguel (sont des mots qui vont très bien ensemble) tentarão emplacar.

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