Adriano Machado /Crusoé

Uma semana de distorções da realidade no governo Bolsonaro

22.01.21 07:27

É bem verdade que a gestão Jair Bolsonaro, marcada pelo comportamento errático, adota posicionamentos contraditórios com frequência, culpando imprensa, Legislativo e Judiciário. A distorção de informações, no entanto, atingiu o ápice nesta semana, quando o chefe do Executivo, ministros e até mesmo assessores palacianos reverberaram versões falsas sobre a postura do governo federal no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins tentou emplacar uma narrativa que não condiz com a realidade na quinta-feira, 21, poucas horas após a Índia liberar a exportação para o Brasil do lote de 2 milhões de doses da vacina fabricada pelo Instituto Serum com base na tecnologia desenvolvida pela AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford.

Nas redes sociais, Martins alegou que “estava tudo certo” para o despacho dos imunizantes, marcado para o início da semana,  “até que a informação vazou para a imprensa, causando desconforto na Índia e o atraso do envio”. A versão não pára em pé. O próprio Ministério da Saúde anunciou, em 13 de janeiro, que um avião da companhia aérea Azul partiria de Recife no dia seguinte com rumo a Mumbai para buscar o lote. A aeronave chegou a ser adesivada com a imagem do Zé Gotinha, símbolo da imunização nacional.

Como mostrou Crusoé, a pirotecnia incomodou o governo indiano, que havia pedido máxima discrição à gestão Eduardo Pazuello, uma vez que a vacinação no país asiático começou no último fim de semana. Para evitar um novo desencontro, o Itamaraty sugeriu ao general que a operação logística fosse contratada diretamente na Índia, em um voo comercial. O transporte até o Brasil, que deve ser finalizado ainda hoje, custará 55 mil dólares.

O Ministério da Saúde foi outro a divulgar informações inverídicas. Criticado pelo aplicativo TratCov, que indica o “tratamento precoce” a pacientes com sintomas que podem ou não ser de Covid-19, o órgão afirmou que a ativação da plataforma ocorreu “indevidamente“. “Informamos que a plataforma TrateCov foi lançada como um projeto-piloto e não estava funcionando oficialmente, apenas como um simulador. No entanto, o sistema foi invadido e ativado indevidamente – o que provocou a retirada do ar, que será momentânea”, detalhou, em nota.

Apesar da versão oficial, o ministério divulgou a plataforma “tratecovbrasil.saude.gov.br” em seu site oficial. Além disso, Eduardo Pazuello falou abertamente sobre o aplicativo na semana passada, durante visita a Manaus, no Amazonas. Em nota, chegou-se a dizer que a ação do Ministério da Saúde tem como objetivo fornecer mais um mecanismo que dará maior segurança e agilidade no diagnóstico da COVID-19, visando reduzir o risco de internações e óbitos”.

Jair Bolsonaro não ficou para trás na propagação de inverdades. Mesmo após o Supremo Tribunal Federal desmentir, oficialmente, a tese de que a corte impediu o governo federal de adotar medidas para o combate à pandemia, o presidente voltou a repetir que ficou de mãos atadas em razão de decisões da corte.

É uma decisão bastante longa, onde eu comprovo, aqui, que as ações de combate à pandemia ficaram restritas a governadores e prefeitos. Para nós coube enviar recursos”, repetiu. A despeito do falatório, a Suprema Corte apenas fixou a competência concorrente da União, dos estados e municípios para a implementação de ações para a contenção da crise sanitária.

As incongruências não roubaram a cena apenas ontem. A segunda-feira começou com o presidente Jair Bolsonaro afirmando, ao se referir à Coronavac, que “a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador, não”. Na ocasião, o chefe do Planalto comentava a liberação do uso emergencial e temporário de um lote de 6 milhões de doses do imunizante pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. 

O tom se contrapõe à postura adotada pelo presidente em outubro de 2020. Naquele mês, em uma publicação intitulada “a vacina chinesa de João Doria”, Bolsonaro usou as redes sociais para falar sobre a decisão de mandar o Ministério da Saúde cancelar o protocolo de intenção de compra de 46 milhões de doses do imunizante.  

Para o meu Governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA”, assegurou. Apesar da escrita em letras garrafais, a pasta chefiada por Eduardo Pazuello acertou a aquisição de 100 milhões de doses do imunizante antes do sinal verde da Anvisa. 

Ainda na segunda-feira, Eduardo Pazuello deu mais uma prova da memória curta do governo federal. Em coletiva de imprensa, o ministro insistiu que jamais indicou medicamentos para o tratamento da Covid-19 ou autorizou a pasta a fazê-lo. O general não mencionou, entretanto, que, sob sua batuta, o órgão publicou, em maio, uma nota informativa que orienta a prescrição da hidroxicloroquina desde os sintomas leves da infecção pelo novo coronavírus, combinado ao antibiótico azitromicina.

O ministro ainda ignorou os meses de entrega em massa dos medicamentos pelo país e o fato de que a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, Mayra Pinheiro, chegou a enviar, dias antes, um ofício à prefeitura de Manaus para cobrar a receita de cloroquina a pacientes com Covid-19 na capital amazonense, enquanto o sistema de saúde passava por um colapso.

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