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Referendo pode manter Putin no poder até os 84 anos

01.07.20 10:35

Nesta quarta, 1º de julho, os russos votam em um referendo para dizer se aprovam ou não um pacote que altera catorze trechos da Constituição. A mudança, a maior já feita na Carta desde sua criação, em 1993, foi proposta pelo presidente Vladimir Putin (foto) em janeiro.

A principal alteração é em relação ao tempo em que Putin, hoje com 67 anos, poderá ficar no poder. Ele está no comando da Rússia desde agosto de 1999,  ocupando as funções de primeiro-ministro e presidente. Seu atual mandato expira em 2024. Segundo a atual Constituição, o mandato de presidente só pode ser exercido duas vezes. A reforma que está sendo discutida anula essa contagem. Com isso, Putin poderia concorrer nas eleições de 2024 e 2030. Em 2028, ele ultrapassaria Josef Stálin em tempo no cargo. Putin só precisaria deixar o posto 2036, ano em que deverá completar 84 anos.

Ao retirar os empecilhos legais para que Putin permaneça no cargo pelos próximos dezesseis anos, a reforma acabará com qualquer especulação sobre possíveis sucessores do presidente. “Ele certamente está tentando evitar qualquer discussão sobre sucessores neste momento. Qualquer conversa desse tipo poderia perturbar o delicado equilíbrio de poder que ele construiu na elite russa”, diz Sergey Radchenko, especialista em Rússia e Guerra Fria na Universidade Cardiff, no Reino Unido.

A reforma também reduzirá as pretensões de alguns rivais. Uma cláusula exige que os candidatos à presidência tenham morado no país nos últimos 25 anos e que não tenham documentos estrangeiros. Até então, a exigência era de dez anos vivendo na Rússia.

Para garantir a vitória no referendo, foram incluídas várias medidas populistas e de bem-estar social no pacote. O salário mínimo passará a ser reajustado de maneira a cobrir o custo mínimo de vida. As aposentadorias serão reajustadas pela inflação. O governo ficará encarregado de dar “uma educação que garanta um desenvolvimento amplo espiritual, moral, intelectual e físico das crianças, cultivando o patriotismo e a consciência cívica”. Além disso, o estado assumirá a educação dos órfãos.

Outras mudanças apelam diretamente aos eleitores de Putin, que são mais inclinados ao patriotismo, ao conservadorismo social e à Igreja Ortodoxa. O casamento passará a ser considerado apenas como a união entre um homem e uma mulher. Pela primeira vez, a palavra Deus entrará na Constituição. “A Federação Russa, unida por uma história milenar, preservando a memória de seus ancestrais que nos transmitiram os ideais de fé em Deus, assim como a continuidade no desenvolvimento do estado russo, reconhece a unidade estatal historicamente estabelecida”, diz um artigo novo.

A iniciativa também segue o revisionismo histórico adotado pelo Kremlin, segundo o qual todos os governantes anteriores do país — sejam czares ou revolucionários comunistas — devem ser enaltecidos. Será proibido criticar os feitos dos defensores da pátria e a Rússia será entendida como a sucessora da União Soviética. “Putin está recorrendo a grandes narrativas históricas, como a ideia de que a Rússia venceu as forças das trevas do nazismo. Além dele acreditar nessas narrativas, essa também é claramente uma forma de ele ganhar legitimidade”, diz Radchenko.

As reformas propostas já foram aprovadas pelo Parlamento e não há nenhuma exigência na Constituição de que um referendo seja convocado. Mesmo assim, Putin insistiu na consulta popular. Para estimular a população a sair para votar, um feriado foi decretado nesta quarta. Como Putin controla toda a imprensa e tem uma aprovação de quase 60%, é bem provável que a população valide sua proposta. Com mais da metade dos votos favoráveis, as reformas serão aprovadas.

Atualização: na quarta, 1, a Comissão Eleitoral Central da Rússia anunciou, cinco horas antes do fechamento dos locais de votação em Moscou, que 73% dos russos apoiaram a reforma constitucional.

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