Waldemir Barreto/Agência Senado

Por que governistas temem o depoimento de Ernesto Araújo

18.05.21 07:32

Integrantes do governo Jair Bolsonaro consideram imprevisível o depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo à CPI da Covid no Senado, marcado para esta terça-feira, 18. E é por isso que o temem. Em conversas reservadas, não conseguem esconder o receio de que o diplomata, se pressionado, possa comprometer o presidente da República.

Um dos temores é que Ernesto revele bastidores das conversas com Bolsonaro sobre as relações com a China em meio à pandemia. Senadores da oposição pretendem responsabilizar o presidente por atrasar a chegada de insumos e vacinas para o combate ao coronavírus em virtude de constantes altercações públicas com o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming.

Em seu depoimento, Luiz Henrique Mandetta disse que atuou para levar o embaixador ao Planalto, mas foi impedido pelos filhos de Bolsonaro. As tratativas com Wanming acabaram sendo feitas por telefone.

Se Ernesto Araújo revelar ao Senado que alimentou tensões com a China seguindo ordens diretas do Planalto, seja por meio do assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, ou de Eduardo Bolsonaro, a situação do governo pode se complicar ainda mais na CPI.

O sinal de alerta no Planalto com relação ao ex-chanceler foi acionado no dia 1º de maio, quando Ernesto Araújo deixou escapar numa postagem nas redes sociais seu ressentimento com o governo.

“Ao eleger o presidente Bolsonaro, em 2018, o povo brasileiro ganhou a chance de transformar o Brasil de uma cleptocracia numa verdadeira democracia. Chegamos a avançar. Mas, a partir de meados de 2020, a reação do sistema, cavalgando a pandemia, começou a desmantelar essa esperança”, escreveu o ex-chanceler. “Assisti a esse processo com angústia e inconformidade, e fiz o que pude, até onde pude, para preservar a visão original. Nisso estive quase sozinho”, emendou.

A pessoas próximas, o diplomata avaliou que foi transformado em “bode expiatório” e atribuiu sua demissão à “reação do sistema”, numa referência ao Centrão. O próprio presidente do Progressistas, Ciro Nogueira, hoje um dos líderes da tropa de choque governista na CPI, chegou a pedir a demissão do então chanceler, no início do ano, pelos problemas diplomáticos gerados durante o combate à pandemia.

Sobre o atraso na chegada de vacinas, pessoas próximas a Ernesto acreditam que o ex-chanceler pode fazer o que o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten não fez perante os holofotes, que é colocar a culpa no Ministério da Saúde, então comandado por Eduardo Pazuello. Esse comportamento, se confirmado, elevaria a tensão do depoimento do ex-ministro da Saúde, marcado para a quarta-feira, 19.

Na oitiva desta terça-feira, 18, parlamentares da oposição pretendem apertar Ernesto sobre a mobilização da diplomacia brasileira no exterior, por orientação de Bolsonaro, para conseguir cloroquina, em vez de vacina, mesmo após a OMS ter interrompido os testes com a droga, ineficaz contra o coronavírus — e o governo receia que Ernesto também possa não defender o presidente da maneira que ele gostaria.

Ao contrário do que se especulou nos últimos dias, no Itamaraty, diplomatas garantem que não foram mobilizados para instruir a defesa do ex-chanceler. Na verdade, como mostrou Crusoé, o atual ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, vem trabalhando para desfazer alguns dos atos de seu antecessor, como a assinatura de uma carta de intenções com uma empresa israelense para fazer o suposto “spray milagroso” contra Covid-19 deslanchar no Brasil. Agora, o Itamaraty diz que o acordo assinado por Ernesto não tem validade, já que não foi referendado pelo Ministério da Saúde. Senadores também pretendem pedir explicações detalhadas ao ex-ministro sobre o documento.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO