Jefferson Rudy/Agência Senado

Extratos da filha de Serra na Suíça vinculam senador tucano a ‘escândalo Alstom’

07.07.20 17:41

Na denúncia de lavagem de dinheiro da suposta propina da Odebrecht paga ao senador Jose Serra (foto), a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo destacou como suspeita uma anotação que aparece junto a uma transferência de 326 mil euros feita pela offshore de um operador, ligado ao PSDB, para uma conta na Suíça controlada pela filha do tucano.

Logo abaixo do valor transferido para a offshore de Verônica Serra, em março de 2006, aparece no extrato bancário a justificativa: “aquisição de quatro Portinari”, numa referência a uma suposta negociação de quadros do pintor brasileiro Candido Portinari (1903-1962). Para os investigadores, a anotação chama atenção porque “o mercado de obras de arte integra os chamados ‘setores sensíveis’, marcados por numerosas operações de lavagem de ativos”.

Este foi um dos argumentos utilizados pelo Ministério Público Federal para conseguir autorização judicial para fazer buscas na casa de Serra na última sexta-feira, 3, na Operação Revoada. Segundo o MPF, o tucano recebeu 936 mil euros da Odebrecht como propina vinculada às obras do Rodoanel por meio de uma triangulação financeira envolvendo offshores da empreiteira, do operador José Amaro Ramos, ligado ao PSDB, e de sua filha.

Mas além das obras de Portinari, anotações ainda mais suspeitas nos extratos bancários da conta de Verônica Serra remetem para um outro escândalo de corrupção envolvendo governos tucanos: o cartel de trens e metrô. Documentos sigilosos obtidos por Crusoé revelam que ao menos três pagamentos feitos pelo operador do PSDB à offshore da filha de Serra foram atribuídos a “honorários de contratos da Alstom Turquia”.

 

A Alstom é uma multinacional francesa dos setores de energia e transporte que se envolveu em um escândalo mundial em 2008, após ser acusada de subornar agentes públicos para obter contratos em diversos países, inclusive no governo de São Paulo. Desde então, investigações foram abertas para apurar possível pagamento de propina a dirigentes de estatais paulistas e políticos do PSDB.

As três transferências, que somam 460 mil euros, são as mesmas que a Lava Jato paulista atribui à Odebrecht na denúncia feita contra Serra na semana passada. Na denúncia, o MPF não faz nenhuma menção às anotações da Alstom, como fez com os quatro Portinari. Questionada por Crusoé, a força-tarefa informou que isso ainda está em apuração e que o inquérito é sigiloso.

O fato é que as empresas de José Amaro Ramos receberam pagamentos tanto da Odebrecht quanto da Alstom nas últimas décadas. Ele diz que prestou consultoria para ambas as empresas no exterior e nega irregularidades. Executivos da empreiteira afirmaram em delação premiada que pagaram propina a Serra por meio do operador do PSDB.

Já a multinacional francesa só admitiu à Justiça brasileira ter subornado agentes públicos do segundo escalão, como diretores do Metrô e o conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado, quando ele foi chefe da Casa Civil do ex-governador Mário Covas, na década de 1990.

Somente esses agentes, assim como Amaro Ramos, foram denunciados por improbidade e corrupção no caso Alstom. Um pedido de cooperação internacional feito em 2011 pelo Ministério Público da Suíça ao MPF, para apurar crimes da multinacional, foi engavetado pelo procurador Rodrigo De Grandis, que alegou ter havido uma “falha administrativa”.

De Grandis chegou a ser investigado pela corregedoria do Ministério Público, mas a apuração foi suspensa por uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Somente em 2017, já durante a investigação dos supostos pagamentos da Odebrecht a José Serra, o MPF solicitou uma cooperação internacional à Suíça, que autorizou, no ano seguinte, o envio dos dados ao Brasil. Os documentos, contudo, só chegaram no ano passado, após uma série de recursos movidos pelos investigados no país europeu.

Os extratos obtidos por Crusoé das transferências feitas pelo operador do PSDB à Verônica Serra são o primeiro documento que vinculam diretamente o senador tucano à empresa que operou o cartel de trens de São Paulo, incluindo o governo Serra, entre 2007 e 2010. Com a denúncia do MPF atribuindo as transferências ao esquema da Odebrecht, resta saber qual a verdadeira a origem do dinheiro que irrigou a conta da filha de Serra.

Batizada como Firenze, a conta foi aberta em junho de 2005 no banco Arner, com sede na cidade de Lugano, na Suíça língua italiana. A conta ficou ativa por quase dez anos em nome da Dormunt International Inc, uma offshore aberta por Verônica Serra em dezembro de 2013 no Panamá. Os registros mostram que a conta foi encerrada em 2014, ano em que começou a Operação Lava Jato, e o saldo de 1,4 milhão de francos suíços, ou 7,9 milhões de reais em valores atuais, foi transferido para outro banco naquele país.

Em nota, a assessoria de Serra afirmou que o senador “jamais recebeu vantagens indevidas ao longo dos seus 40 anos de vida pública” e que “espera que o caso seja esclarecido da melhor forma possível para evitar que prosperem acusações falsas que atinjam sua honra e de sua família”.

Assim como a defesa de Serra, o advogado Antonio Pitombo, que defende Verônica Serra, informou que ainda não teve acesso os procedimentos que resultaram na operação de busca e apreensão da semana passada. Em nota, ele afirmou que o “pretenso envolvimento” da filha do senador com compra e venda de obras de arte e relações com a Alstom Turquia “jamais ocorreu”. Segundo o advogado, “tratam-se de inverdades, sem qualquer base fática”.

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