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EXCLUSIVO – Vídeos comprovam que Pazuello mentiu sobre a oferta das vacinas da OMS

24.07.21 10:03

O governo brasileiro resistiu à compra de doses de vacinas contra a Covid-19 suficientes para imunizar metade da população brasileira, por meio do consórcio Covax Facility, em setembro do ano passado.

Vídeos de reuniões interministeriais obtidos por Crusoé com exclusividade mostram que o Ministério da Saúde ignorou alertas feitos pelo Itamaraty e, alegando se tratar de uma operação arriscada, aderiu à iniciativa coordenada pela OMS em quantidade mínima, com doses para somente 10% da população. 

Um dos argumentos do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para não aceitar a maior oferta possível do consórcio de vacinas da OMS era o de que se tratava de uma negociação “nebulosa”. A cantilena foi repetida durante o depoimento de Pazuello à CPI no dia 19 de maio deste ano, com um agravante: o ex-ministro mentiu ao dizer que o preço inicial da vacina era de 40 dólares a dose.

Quem o contradiz é a embaixadora do Brasil em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo. No vídeo de uma reunião com representantes do Itamaraty e da Casa Civil, no dia 12 de agosto de 2020, Maria Nazareth diz que o valor inicial da dose era de 20 dólares, mas logo depois foi reduzido para 10,55 dólares. “O preço da dose baixou bastante. De 20 foi para 12…entre 12 e 16… e agora está sendo apresentado para nós a 10 dólares e 55 centavos”, disse. Os vídeos também mostram que faltou conhecimento de inglês para integrantes do governo entenderem o contrato do consórcio coordenado pela OMS.

É espantoso que, enquanto impôs uma série de obstáculos para aderir ao consórcio, que poderia fornecer vacina suficiente para imunizar até 50% da população, o mesmo Ministério da Saúde, comandado pelo general Pazuello, topou sete meses depois o valor de 15 dólares por cada dose da vacina indiana Covaxin, negociada por uma intermediária enrolada com a Justiça, a Precisa Medicamentos, e conversou com Luiz Paulo Dominghetti, um cabo da PM de Minas Gerais, sobre a compra bilionária de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, em arranjo obscuro da empresa Davati, que admitiu não ter vacina nenhuma para vender.

Assista aos vídeos:

Pelo acordo, os países participantes do consórcio Covax Facility, coordenado pela OMS, fariam um pagamento adiantado para investir não em imunizantes oferecidos por intermediários duvidosos que nem sequer tinham vacinas disponíveis para vender ou por empresas envolvidas em escândalos, acostumadas a negociar por meio de offshores em paraísos fiscais, mas em uma cesta de até 15 vacinas em fase avançada de testes acompanhados diretamente pela OMS.

Num dos encontros registrados em vídeo pela Casa Civil, a própria embaixadora do Brasil em Genebra alerta sobre a repercussão política de não aderir ao consórcio. Fábio Marzano, secretário de Soberania e Cidadania do Itamaraty – braço direito do então chanceler Ernesto Araújo – chegou a dizer que o país viveria “um inferno” pela falta de vacinas se optasse por ficar de fora. “Acho muito difícil não termos ao menos uma vacina premiada”, emendou Nazareth.

A discussão, no entanto, se arrastou por semanas. Lançado em junho, o Covax tinha o dia 18 de setembro de 2020 como data limite para que países interessados fizessem a assinatura de contrato com a Aliança Gavi, uma entidade privada que opera o consórcio em parceria com a OMS e o Unicef. Três dias antes do prazo, Jair Bolsonaro ainda não havia decidido sobre a entrada no mecanismo, como atestou no vídeo obtido por Crusoé a subchefe adjunta do política econômica da Casa Civil, Talita Saito. A reunião ocorreu no dia 15 de setembro de 2020: “Eu bato sempre nessa tecla porque é importante deixar muito claro que essa decisão ainda não foi tomada. O presidente da República ainda não se posicionou sobre a entrada no Brasil no instrumento”. Talita ainda lembrou que, apesar da recomendação de vacinar 20% da população com imunizantes adquiridos via consórcio, o Ministério da Saúde insistia em imunizar apenas 10% dos brasileiros.

Os vídeos expõem também o amadorismo da equipe jurídica do governo com relação ao inglês, língua oficial dos documentos do Covax. Um parecer escrito por um consultor de carreira da Advocacia-Geral da União com atuação no Ministério da Saúde registrou que a falta do domínio da língua inglesa atrasou a análise do contrato. Durante as reuniões interministeriais, a consultoria de Pazuello pediu para que os papéis fossem traduzidos, o que acabou sendo feito pelo próprio Itamaraty.

Na noite do dia 17 de setembro, um dia antes do fim do prazo para confirmar a adesão ao consórcio, a consultoria insistia em uma “tradução oficial” feita pela Aliança Gavi. Foi preciso a intervenção da Embaixada do Brasil em Genebra para dizer o óbvio: a versão do contrato que prevaleceria seria a original, em língua inglesa.

O Itamaraty teve de pedir à Gavi uma extensão da data para a assinatura, uma vez que, até o último momento, a pasta da Saúde ainda erguia barreiras contra o acordo. Ao fim, o país foi um dos últimos a ingressar no Covax. E recebendo a quantidade mínima das vacinas ofertadas.

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