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Em 16 anos, Merkel manteve distância segura de quatro presidentes brasileiros

02.09.21 07:39

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel (na foto, com Michel Temer e Dilma Rousseff, em 2015), deixará o cargo assim que um novo governo for formado após as eleições parlamentares de 26 de setembro. No total, ela terá ficado no poder por 16 anos, período em que governaram quatro presidentes brasileiros: Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Com todos eles, Merkel manteve uma distância segura, enquanto defendeu uma ampliação dos laços comerciais e a proteção do meio ambiente.

Em 2005, quando Merkel se tornou a primeira mulher chanceler da Alemanha, Lula já era presidente no Brasil. As commodities estavam em alta e, apesar de o escândalo do mensalão já ter estourado, o político brasileiro ainda era visto de maneira positiva no exterior com seu discurso de combater a fome e a pobreza. Em 2008, Merkel visitou Lula em Brasília. No ano seguinte, foi a vez de o brasileiro encontrá-la na Alemanha e, em seguida, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP15, em Copenhage.

Merkel pediu ajuda a Lula nas negociações climáticas, mas não embarcou na megalomania do presidente brasileiro. Em 2010, Lula, o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o turco Recep Erdogan anunciaram um acordo para lidar com o programa nuclear iraniano. Sem consultar as grandes potências, os três inventaram um sistema em que o Irã enviaria urânio parcialmente enriquecido para a Turquia e receberia combustível nuclear da França ou da Rússia. Merkel ignorou o anúncio e disse que o Irã deveria respeitar os acordos feitos com a Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA. No final, ninguém levou a sério a proposta de Lula e seus camaradas no exterior.

A chanceler retornou ao Brasil em outros dois momentos: em 2014, para assistir à final da Copa do Mundo, e em 2015. Nas duas vezes, foi recebida por Dilma Rousseff. A brasileira aproveitou para reclamar das revelações de que a Agência Nacional de Segurança, a NSA, dos Estados Unidos, tinha grampeado os telefones das duas chefes de governo. Mas, enquanto Dilma cancelou uma viagem oficial aos Estados Unidos por causa disso, a alemã preferiu esquecer a história e só falar de negócios na segunda viagem. Não haveria motivo para comprar briga com os Estados Unidos, então governado por Barack Obama. Merkel seguiu a mesma linha dos chanceleres anteriores, que sempre evitaram um alinhamento político com outros líderes. Os alemães, assim como os italianos, sempre mantiveram uma agenda mais preocupada em investimentos e que dá pouca atenção aos discursos“, diz o cientista político Christian Lohbauer, autor de um livro sobre as relações entre Brasil e Alemanha.

Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma, em agosto de 2016, foi ignorado pela alemã por dois motivos. Primeiro, porque seu mandato era curto. Segundo, porque a narrativa petista de que o impeachment foi golpe ecoou entre alguns grupos alemães. O Partido Social Democrata, SDP, de centro-esquerda, integrava a coalizão de governo e é próximo do Partido dos Trabalhadores.

Com Jair Bolsonaro, Merkel tomou distância máxima, mesmo antes de a pandemia de Covid-19 aparecer no horizonte. “Ela sabe que aparecer com Bolsonaro seria algo muito ruim politicamente dentro da Alemanha. O presidente brasileiro é visto como alguém que é contra a preservação do meio ambiente e próximo de ideias radicais. Merkel, que é a personificação do centro político, só teria a perder ao lado dele“, diz o alemão Kai Enno Lehmann, professor de relações internacionais da USP.

O encontro que o brasileiro teve em julho com a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, foi visto com ressalvas pelos políticos de centro. “Na Alemanha, Bolsonaro é visto como uma espécie de Donald Trump brasileiro, um populista radical, e que sofreu uma crítica muito dura por sua política contra o coronavírus“, diz o cientista político alemão Florian Hartleb, pesquisador do Wilfried Martens Centre de estudos europeus. “Merkel até poderia se encontrar com Bolsonaro, dado que o Brasil é um parceiro importante. mas seria com uma certa distância e baseado nas regras diplomátcias.”

Apesar de não ter se aproximado do atual presidente, a chanceler alemã já precisou acionar seus canais diplomáticos para apaziguar o brasileiro. Isso ocorreu após a intensa pressão internacional para reclamar das queimadas na Amazônia, em 2019. Em um vídeo feito durante um encontro do G7, ela foi flagrada falando para o presidente francês Emmanuel Macron que telefonaria para Bolsonaro. “Anunciei para ligar para ele na próxima semana para ele não ficar com a impressão de que estamos trabalhando contra“, disse Merkel.

Por governar um país que exporta carros e produtos industriais, Merkel tentou garantir a assinatura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Como Macron, de viés protecionista, ameaçou cancelar o acordo comercial por causa das queimadas, Merkel entrou no jogo para resolver o impasse com artifícios diplomáticos. Sua postura pragmática, contudo, nada tem de política pessoal. Quando concluir seu período à frente da Alemanha, Merkel estará em seu período mais longe do Brasil.

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