Adriano Machado/Crusoé

Ecos da entrevista: depois de reunião a sós com Bolsonaro, a inflexão de Mandetta

08.04.20 20:21

No dia em que teve a primeira reunião tête-à-tête com Jair Bolsonaro após o episódio de quase-demissão, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (foto), adotou uma nova postura em relação ao presidente, ao conduzir a entrevista coletiva diária destinada a atualizar dados do novo coronavírus nesta quarta-feira, 8. O titular da pasta, que havia protagonizado embates públicos com o chefe do Executivo, sintetizou a busca por sintonia em uma frase: “Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro”.

Não foi o único aceno ao chefe. Durante a entrevista, Mandetta valeu-se do debate sobre o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19 para cutucar o governador de São Paulo, João Doria, um dos principais adversários políticos do presidente. O ministro também admitiu a hipótese de flexibilizar as medidas restritivas em municípios do país sem registros da doença, aproximando-se do discurso entoado por Bolsonaro desde a eclosão da crise, e sublinhou que “não há donos da verdade” no enfrentamento à pandemia do coronavírus, deixando claro que está aberto para o diálogo com as mais diversas correntes sobre o tema, incluindo, evidentemente, a que o presidente faz parte, cujas teses o ministro até ontem rechaçava com veemência.

Antes da coletiva, Mandetta já havia dito a aliados que pretendia desfraldar a “bandeira branca”, como noticiou mais cedo Crusoé. No encontro realizado pela manhã no Planalto, os dois combinaram de deixar as divergências políticas em “stand by” e trabalhar de forma alinhada no combate à pandemia.

Abaixo, as frases de Mandetta que traduziram seu alinhamento ao presidente:

“Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro.”

Foi a primeira vez, desde o início da pandemia do coronavírus, que o ministro da Saúde exaltou a liderança do presidente na condução da crise. No domingo, 5, Bolsonaro havia reclamado, numa clara referência a Mandetta, que determinados ministros estavam “se achando” e se comportando como “estrelas”.

“Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nessa história. A todos aqueles que estão com ânimos mais exaltados, quero deixar claro: aqui está tudo bem. O presidente é muito parceiro, muito voluntarioso. Tem um pensamento muito forte no Brasil. Vamos dando passo a uma unidade muito boa no governo.”

Dois dias depois de, em pronunciamento, enviar uma série de duros recados a Bolsonaro, Mandetta suaviza o tom e, mais uma vez, divide o protagonismo no combate à Covid-19 com o presidente.

“Não acho que esteja na hora  de [relaxar as restrições em] algumas cidades que são grandes centros como Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Manaus, cidades que a gente vem falando aqui ‘olha, a temperatura está muito elevada, cuidado, segurem’. Por outro lado, 86% dos municípios brasileiros não tem nenhum caso confirmado de Covid-19 nem de síndrome respiratória aguda. O Brasil é muito grande. A gente tem diferentes Brasis aí dentro.”

Aos poucos, Mandetta se aproxima da tese do presidente em favor do relaxamento do isolamento social. Agora, o ministro já admite flexibilizar as medidas restritivas em municípios em que não há registros de coronavírus até agora.

“Hoje, esse medicamento não tem paternidade. O governador não precisa querer politizar esse assunto. O governador João Doria não precisa querer politizar esse assunto. Esse assunto já está colocado. Precisamos que todos tenham maturidade, visão, foco e disciplina para que a gente possa atravessar esse momento.”

O ministro, ao falar sobre o uso da cloroquina, outro tema caro ao presidente da República, carimba no governador de São Paulo, João Doria, principal antagonista de Bolsonaro na crise, a pecha de politiqueiro. Ou seja, de alguém que está fazendo politicagem com a doença. É exatamente o mesmo discurso que Bolsonaro tem adotado desde a chegada do coronavírus no Brasil.

“[Uma recomendação sobre o uso da cloroquina] Não vai ser da cabeça do doutor Uip, não vai ser da minha cabeça. Não existe ninguém dono da verdade. Não existe nenhum estado melhor que outro. Não tem. Somos todos iguais. O Presidente da República em nenhum momento fez qualquer colocação para mim diretamente de imposição. Ele defende, como todos nós defendemos, que, se há chance melhor para esse ou aquele paciente, que a gente possa garantir o medicamento”.

Mais uma vez, Mandetta se mostra flexível ao uso do medicamento defendido com unhas e dentes por Bolsonaro. Ontem, o ministro já havia andado uma casa em direção ao que prega o presidente, ao dizer que não adotaria medidas contra médicos que utilizassem a cloroquina em casos leves do novo coronavírus, desde que o profissional se responsabilizasse individualmente pela prescrição.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO