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‘É melhor termos uma lei pensada pelo Pelé do que pela bancada da bola’, diz Carla Camurati

05.12.21 14:02

A atriz e diretora Carla Camurati lançou em novembro o documentário 8 Presidentes 1 Juramento, que condensa em 145 minutos diversos momentos políticos do Brasil dos últimos 30 anos. O documentário inicia com a campanha por eleições diretas e vai até a posse de Jair Bolsonaro, em 2019. Contando apenas com a seleção e o encadeamento de cenas, sem fazer uso de um narrador, Carla evita posicionar-se ao longo da história. Com isso, traz uma narrativa poderosa sobre a Presidência da República, sem cair na polarização atual. O documentário está em cartaz em cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, e em breve chegará a Manaus. No ano que vem, estará disponível em streaming. Por email, a diretora de Carlota Joaquina e Irma Vap – O Retorno, respondeu a perguntas da Crusoé.

Seu documentário é emocionante em alguns momentos. O brasileiro erra em tratar a política com muita emoção e pouca razão?
Tem uma máxima do diretor Antônio Abujamra (1932-2015) que eu adoro. Toda vez que um ator se emocionava muito e acabava exagerando em uma cena, ele dizia: “Querido, querido… não se emocione tanto. Veja o que a emoção fez com a América Latina! Por favor, fique no comando!”. Acho que o brasileiro se equivoca, porque a emoção de alguma maneira tira o foco do nosso objetivo. Não discutimos claramente o que queremos para o país. Dá para perceber isso entrando durante meia hora nas redes sociais: muita grosseria, reclamações, ofensas e poucas propostas. Não conhecemos nem sequer o plano de governo proposto pelos candidatos. Ouvimos apenas frases de palanques e nos simpatizamos com o político A ou com o B. Poderíamos resolver questões básicas na engrenagem política sem muito “trelelê”, para ajudar o país. Por exemplo: deputados e senadores podem votar questões cruciais para o país na calada da noite com voto secreto? Provavelmente, todos os brasileiros responderiam que não, com exceção dos interessados.

Teve muita gente reclamando que a sra. não fez um documentário para defender o ponto de vista delas?
Quando o filme ficou pronto, promovi várias sessões com amigos e conhecidos, de posicionamentos políticos diferentes. Foi muito bom ver que ninguém achou que o filme cometeu injustiças. Como no capítulo final de uma novela de sucesso, assistimos boquiabertos à trama que se constrói e que vai decidir o nosso destino. Não tivemos ainda uma discussão em torno da defesa de pontos de vista, mesmo porque o filme não traz um ponto de vista e sim uma sequência de fatos que fazem parte da nossa história.

Um bom filme se faz com poucos personagens. Nos 30 anos mostrados pelo documentário, a impressão é de que um número restrito de políticos comandou o Brasil. Não deveria ser diferente?
Poderia e deveria ser diferente, só que grande parte das pessoas que poderiam estar oxigenando a nossa política se desanimam com o nosso cenário político atual. Acontece que, antes do voto, temos as campanhas, os palanques, os acordos com os partidos e o dinheiro que financia tudo isso. Por causa desse quadro amplo de fatores que regem uma eleição surge a tendência de “políticos do ramo” se revezarem no poder, perpetuando assim a presença deles na cúpula do país.

Os políticos falam muito em Deus. Por que nossa política precisa tanto de uma divindade? Acha que Deus tem misericórdia dessa nação?
Interessante isso, né? Acho que esse é um ponto que fortalece a sintonia entre eleitores e candidatos. A música País Tropical já diz que o Brasil é um país abençoado por Deus e bonito por natureza. Temos visto vários exemplos de misericórdia divina na nossa história. Os políticos não falam em Deus para ativar a sua misericórdia, talvez o façam para estimular a misericórdia do eleitorado, que no Brasil sempre teve um viés religioso importante.

A sra. aparece em dois momentos no documentário, em solenidades oficiais. Seu filme também mostra Pelé e Gilberto Gil envolvidos com a política. Como a sra. vê essa mistura de dois mundos? A política também é um espetáculo? 
Várias perguntas em uma mesma questão. Ambas atividades requerem uma teatralidade, mas não consigo comparar nem a forma, nem os objetivos, muito menos o conteúdo. Entretanto é a política que define os caminhos do país e, com isso, é normal que pessoas de outras áreas entrem na política com o objetivo de mudar as coisas, de melhorar o país. É melhor termos uma lei que foi pensada e liderada pelo Pelé, do que pela bancada da bola. Isso não quer dizer que o país só evolua quando um personagem da cultura ou do esporte, ou um empresário, decide se envolver com a política. Todos somos políticos, enquanto eleitores, e alguns de nós podem com certeza contribuir com a causa pública, como ministros, secretários e gestores.

Seu documentário mostra que os brasileiros dão muita importância ao cargo de presidente, mas também mostra que protestos e impeachment são ameaças constantes. O parlamentarismo poderia dar certo no Brasil?
Não sei se resolveria o nosso problema. Já tivemos duas pequenas experiências no Brasil com o parlamentarismo, e já optamos pelo presidencialismo em um plebiscito. É evidente que a troca de um governante (no caso, de um primeiro-ministro) é feita de forma mais prática e indolor no parlamentarismo. Só que os problemas que temos hoje podem se repetir em qualquer sistema. Para avançar, precisamos não apenas do presidente, e sim de todos. Precisamos melhorar a nossa comunicação durante o período de eleições. Saúde, educação, segurança e controle da corrupção vivem no desejo da nação há muitos anos  e podem ser temas para muitos documentários, mas acaba que existe uma banalização da corrupção dia após dia, durante anos, nas diferentes áreas da República.

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