STJ

Comissão propõe restringir acesso ao Coaf e cogita tornar crime divulgação de dados sigilosos

28.10.20 21:23

A Comissão de Juristas formada na Câmara dos Deputados para elaborar um anteprojeto de lei com regras sobre o uso de dados pessoais em inquéritos criminais propõe restringir o acesso de investigadores a relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, que identifica movimentações bancárias suspeitas, e cogita criminalizar a divulgação de dados sigilosos por agentes públicos e particulares.

A versão final da proposta será definida no dia 9 de novembro, na última reunião da Comissão formada por 15 juristas, sob a presidência do ministro Nefi Cordeiro (foto), do Superior Tribunal de Justiça, e relatoria da professora Laura Schertel Mendes, filha do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Na sequência, a minuta será entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que deve incorporá-la em um projeto que será a versão penal da Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, que entrou em vigor em setembro.

A Crusoé, Nefi Cordeiro afirmou que a comissão vai propor no anteprojeto que todos os dados considerados sigilosos e sensíveis só poderão ser compartilhados com órgãos de investigação mediante autorização judicial ou da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD, órgão recém-criado pelo governo no âmbito da LGPD e vinculado à Presidência da República.

Questionado se o Coaf entra no escopo de dados sigilosos cujo compartilhamento precisará de autorização prévia, o ministro do STJ e presidente da Comissão de Juristas disse que sim. “Há uma previsão, sim, de que a proposta saia prevendo que todos os dados sigilosos e sensíveis precisem de autorização para qualquer tratamento, uso para qualquer fim”, afirmou.

A proposta, se mantida no anteprojeto, contraria um entendimento recente do STF. Em novembro do ano passado, o Supremo autorizou o compartilhamento de informações sigilosas do Coaf e da Receita Federal com o Ministério Público e a Polícia Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial.

A decisão foi tomada no julgamento pelo plenário da liminar concedida pelo ex-presidente Dias Toffoli ao senador Flávio Bolsonaro, que alegou que o MP do Rio havia quebrado seu sigilo de forma ilegal acessando dados do Coaf sem autorização na investigação sobre o suposto esquema de rachid operado pelo ex-assessor Fabrício Queiroz na Assembleia Legislativa fluminense.

Hoje, os relatórios do Coaf sobre movimentações financeiras atípicas são enviados diretamente ao Ministério Público, a quem cabe decidir pela abertura de uma investigação ou não para apurar as transações. Questionado, em um segundo momento, se a proposta da Comissão de Juristas irá equiparar o acesso a relatórios do Coaf às quebras de sigilos bancário e fiscal, que precisam de autorização judicial, Nefi Cordeiro respondeu que o tema ainda está em debate e que “os agentes públicos já autorizados por lei seguem tendo acesso (aos dados do Coaf)” e que “os demais precisarão de autorização”.

O ministro afirmou ainda que, além de regulamentar o acesso a dados de pessoas investigadas por crimes pelo MP e pela polícia, a Comissão vai propor à Câmara a criminalização da divulgação de dados sigilosos. “Não propriamente só por divulgar, mas por divulgar com intenção de descumprir a lei, ou seja, divulgar para prejudicar alguém que está sendo submetido a um processo criminal. A divulgação entra sim (como crime) desde que seja feita dolosamente”, afirmou.

Segundo Nefi Cordeiro, até o momento, a proposta em elaboração na Comissão para criminalizar a divulgação de dados sigilosos está “mais voltada” a atos praticados por agentes públicos, mas não se descarta a inclusão de particulares. “Até agora (o anteprojeto) está indo assim, vamos ver se termina ainda envolvendo só agentes públicos ou não”, completou.

Questionado sobre a inclusão da imprensa entre os “particulares” passíveis de serem processados por divulgar dados sigilosos, Nefi Cordeiro disse que o colegiado ainda não definiu quais são os crimes que constarão da proposta e que, por isso, não seria possível “antecipar se haverá inclusão de particulares e quem seriam eles”. Hoje, a lei define que a violação ao sigilo judicial ocorre quando cometida por pessoas que têm acesso legal ao conteúdo protegido e dever funcional de preservá-lo, como servidores e advogados, e não prevê punição a jornalistas que publicam a informação sigilosa.

O próprio ministro reconheceu, contudo, que a discussão sobre a chamada LGPD penal debatida de forma sigilosa na Comissão é de interesse da imprensa. “A própria imprensa também vai ter interesse na discussão disso porque vocês têm acesso a informações e precisa ficar mais claro o que é que existe de limite ou se não existe limites. Na Europa, existe limites. Os Estados Unidos já tendem a não colocar limites. Tem que pensar para o Brasil o que a gente faz. Não para responsabilizar o jornalista, mas para definir o que pode ou não ser divulgado”, afirmou o presidente da Comissão.

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