Adriano Machado/Crusoé

Com aval de Aras e sem procuração, Wassef foi à PGR tratar de assuntos da JBS

20.08.20 00:39

Sem procuração, o advogado Frederick Wassef visitou a Procuradoria-Geral da República no fim do ano passado para tratar de assuntos de interesse da JBS. Um dado torna o episódio ainda mais interessante: a visita, informal, foi intermediada pelo gabinete do próprio PGR, Augusto Aras, com quem Wassef havia se reunido tempos antes.

Ante o caráter atípico da situação, a visita acabou em constrangimento: indagado pelos procuradores que o receberam se tinha em mãos uma procuração que o autorizasse a falar em nome da companhia, Wassef disse que não, e a reunião foi prontamente encerrada.

Crusoé confirmou o encontro com fontes primárias que lidaram diretamente com o assunto.

Frederick Wassef queria falar sobre temas da JBS com procuradores do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Coube ao gabinete de Aras encaminhá-lo para uma audiência com o procurador Adonis Callou de Araújo Sá, então coordenador da equipe, que toca os inquéritos e processos relacionados à operação na Procuradoria-Geral.

Adonis Callou recebeu o advogado na companhia de uma colega procuradora, Maria Clara Noleto, que também integrava o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Wassef de pronto disse que gostaria de conversar sobre a repactuação do acordo de delação premiada da JBS. Àquela altura, a companhia tentava convencer a PGR a desistir de pedir, junto ao Supremo Tribunal Federal, a rescisão do acordo, firmado ainda na gestão de Rodrigo Janot. Esse é um assunto bastante caro para os irmãos Joesley e Wesley Batista. A rescisão, que deve ser julgada em breve pela corte, pode representar a volta deles para a cadeia.

Tão logo Wassef disse sobre qual assunto gostaria de tratar, Callou perguntou se ele era advogado da JBS. Ante a resposta positiva, o procurador quis saber então se o advogado possuía uma procuração da empresa. Wassef até tentou desconversar. Disse que ainda não tinha o documento em mãos, mas que brevemente poderia apresentá-lo. Não funcionou. Nem mesmo o encaminhamento feito pelo gabinete de Augusto Aras foi suficiente para desanuviar o ambiente. Sem meias palavras, Adonis Callou disse que, sem procuração, não haveria conversa. O encontro terminou ali mesmo, conforme o relato feito a Crusoé por um dos personagens presentes.

O episódio é revestido de uma dose relevante de gravidade: na prática, Wassef, autodeclarado advogado de Jair Bolsonaro, estava operando nos bastidores da PGR em favor da JBS com o aval do gabinete de Augusto Aras, escolhido para o cargo pelo presidente da República.

Nesta quarta-feira,19, Crusoé revelou que Frederick Wassef recebeu 9 milhões de reais da JBS entre 2015 e este ano. A informação consta de documentos obtidos pelos promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro que investigam a relação de Wassef com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo do presidente da República.

Adonis Callou não duraria muito tempo mais à frente do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Em janeiro, ele pediu para deixar o posto, em razão de divergências com Augusto Aras. Callou alegou falta de autonomia para atuar. Para o lugar dele o PGR chamou a também subprocuradora-geral Lindôra Araújo, que tempos depois entraria em rota de colisão com as forças-tarefas da Lava Jato.

Outra participante da reunião com Wassef, a procuradora Maria Clara Noleto também deixaria o grupo de trabalho meses depois, em meio a uma debandada geral, também por divergências com o gabinete de Augusto Aras — além dela, outros três integrantes pediram para sair.

Crusoé perguntou à Procuradoria-Geral da República se Frederick Wassef se reuniu nos últimos meses com integrantes do órgão. Com Augusto Aras, informou o gabinete, o advogado esteve reunido logo após a posse do PGR, para uma “visita de cortesia”.

Quanto a eventuais encontros com os subprocuradores-gerais da República, a resposta da Secretaria de Comunicação da Procuradoria foi a seguinte: “Sobre os demais 74 subprocuradores-gerais da República, a Secom informa que não é responsável pela agenda deles, sendo impossível obter as informações principalmente em meio à pandemia – já que estão quase todos em teletrabalho”.

Responsável por conduzir as tratativas com a companhia, a subprocuradora Lindôra Araújo afirmou a Crusoé que não conhece Frederick Wassef.

A história da visita de Wassef ao grupo de trabalho da Lava Jato por encaminhamento do gabinete de Aras mostra uma mistura complicada, capaz de render outros embaraços para os envolvidos: enquanto recebia milhões da JBS, e mesmo sem estar habilitado oficialmente nos autos, o advogado usava de sua influência para obter vantagens para a companhia nos gabinetes de Brasília. Isso é explosivo.

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