Nelson Jr./STFA

Carvalhosa: ‘É falacioso e cínico dizer que MP não pode se comunicar com juiz’

14.06.19 15:31
Modesto Carvalhosa

Face às discussões em torno das conversas privadas entre o juiz Sergio Moro e membros do Ministério Público (MP) que foram objeto de criminoso hackeamento, torna-se necessário lembrar a natureza e as funções outorgadas ao Ministério Público pela vigente Constituição.

Insere-se o MP no Capítulo IV da CF denominado Funções Essenciais à Justiça, declarando o art. 127 que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis”.

Isso quer dizer que o MP é uma instituição do Estado que, ao lado do Poder Judiciário, atua como órgão de defesa da sociedade em todas as questões que fogem estritamente aos interesses privados em litígio.

Nos processos civis, visa a proteger os interesses indisponíveis da sociedade e do Estado nas lides privadas.

E nos processos penais a função constitucional do MP é a de promover a ação penal exatamente porque a vítima do delito é a sociedade como um todo, e não apenas a vítima individuada e identificada.

É o caso típico dos processos envolvendo corrupção.

É preciso, pois, ressaltar que o MP não se confunde com as partes nos processos civis e penais. Parte de um processo é aquela que tem interesse próprio na lide.

E o MP não tem nenhum interesse particular quando acusa ou intervém nos processos civis e penais nos quais obrigatoriamente deve atuar.

O MP é apenas parte formal no processo, porquanto deve respeitar os prazos.

No mais, é uma instituição que representa a sociedade, o que transcende absolutamente interesses próprios de seus integrantes.

Assim é que a doutrina o conceitua como uma parte imparcial, na medida em que pode requerer a absolvição de réus que ele próprio denunciou, se as provas forem insuficientes, o que, aliás, ocorre com frequência. Basta notar as inúmeras vezes em que denuncia, por exemplo, 10 integrantes de uma organização criminosa, mas, ao fim do processo, pede a absolvição de 4 deles e a condenação dos demais, ou mesmo a absolvição de todos pela falta de provas.

Não custa repetir: o MP é uma instituição do Estado que se coloca ao lado do juiz para com ele colaborar na devida e cabal apreciação de todos os dados da causa, não podendo, o magistrado, a seu turno, omitir-se no dever de fornecer ao MP os elementos de prova de que tome conhecimento.

Não é por outra razão que, em todos os julgamentos de 1ª instância, nos tribunais estaduais e federais, nos tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal, o representante do MP senta-se ao lado do juiz e necessariamente apresenta o seu entendimento a respeito do processo. Note-se bem: o MP não se senta do outro lado da mesa nas audiências, em contraposição à parte ré ou autora. A TV Justiça aí está todos os dias mostrando tal realidade: a procuradora-geral da República senta-se à direita do Presidente do STF e interfere nos processos como defensora da sociedade e do Estado.

Daí que é inaceitável a ideia ora disseminada pelos corruptos e seus aliados de que o juiz não pode se comunicar com os membros do MP.

O MP integra o próprio julgamento, e sua ausência torna a sentença inválida e sem efeito.

É, portanto, falacioso e cínico dizer que não pode haver comunicação entre os juízes e os promotores se ambos compõem indissoluvelmente a instrução decisória dos processos civis e, obviamente, criminais.

Invocam os defensores dos corruptos o art. 254 do Código de Processo Penal para dizer que o juiz é suspeito se tiver aconselhado qualquer das partes, como se o MP fosse mera parte privada, com interesses próprios no processo.

É importante repisar esse ponto. Pela Constituição, o MP é um órgão do Estado essencial à Justiça, não podendo ser considerado parte em sentido substancial, pois vela pelo interesse público (art. 127 da Constituição). É considerado parte imparcial, fiscal da lei, encarregado de velar pela pretensão punitiva estatal.

O MP é titular da ação penal e, nessa qualidade, pode pedir, ao cabo do processo, tanto a condenação como a absolvição do acusado, diferentemente da defesa do acusado, que é sempre parcial, em favor do réu.

Nas conversas privadas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, criminosamente hackeadas, não se verifica antecipação do juízo de mérito de nenhum processo, visto que se restringiram a questões procedimentais, em nada e em nenhum momento relativas à culpa dos acusados.

Modesto Carvalhosa é jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP.

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