Mateus Bonomi/Crusoé

Análise: Em uma canetada, Toffoli favorece traficantes, terroristas e corruptos

16.07.19 14:29

Ao defender os argumentos do senador Flávio Bolsonaro e proibir o Conselho de Controle de Atividade Financeira, o Coaf, de comunicar ao Ministério Público transações financeiras suspeitas sem autorização judicial, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de uma só vez, facilita a vida de criminosos interessados em lavar dinheiro, ajuda vários políticos envolvidos em desvio de dinheiro público e, o mais importante, joga uma pá de cal na instituição criada para ser uma das principais ferramentas de combate ao terrorismo e ao narcotráfico.

O Coaf é uma Unidade de Inteligência Financeira (UIF) instituída por meio de uma lei de 1998, a primeira a tratar de forma mais direta a regulamentação sobre o combate à lavagem de dinheiro. Seu surgimento veio na esteira de tratados internacionais assinados pelo Brasil e pelos países mais desenvolvidos do planeta com o objetivo de combater à lavagem de dinheiro, principalmente a de valores originados no tráfico de drogas transnacional e no terrorismo.

O motivo é simples: embora não investigue nem produza informação própria, o Coaf é responsável por receber informações de vários setores que operam transações financeiras. Por exemplo, todos os bancos, joalherias, empresários de artistas e jogadores de futebol, corretoras de câmbio, entre outros, são obrigados a informar o Coaf sobre transações que lhe parecem atípicas ou suspeitas.

Se soubesse (ou quisesse saber) o básico, Dias Toffoli não teria nem embarcado na argumentação da defesa de Flávio que diz que o “Coaf, ao entrar em contato com as instituições financeiras para obter informações solicitadas pelo Ministério Público estadual, foi muito além do mero compartilhamento ou envio de movimentações consideradas atípicas, tendo passado a fornecer informações que amparam a elaboração de seu relatório.”

Por regra, o Coaf não pede informação nem entra em contato com instituições financeiras. No caso que originou a investigação, por sinal, no qual o Coaf enviou ao MP do Rio de Janeiro informações sobre transações atípicas de 1,2 milhão de reais do ex-motorista do filho de Jair Bolsonaro, o PM Fabrício de Queiroz, foi o banco Itaú que de forma autônoma informou a existência das transações financeiras.

Esse tipo de ação é regulamentado legalmente. O objetivo da troca de informação é um só: proteger o estado e os cidadãos de grupos criminosos interessados em lavar dinheiro.

A troca de dados se mostrou ainda mais necessária com os atentados às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001: as UIFs de todo mundo tornaram-se ainda mais importantes. Os investigadores perceberam que sem uma troca ágil de informações eles estavam sempre um passo atrás dos terroristas. Para mudar esse cenário, várias medidas foram tomadas, entre elas, um maior investimento nas unidades de inteligência financeira espalhadas pelo mundo para que elas pudessem avisar aos investigadores sempre que uma transação suspeita surgisse envolvendo algum possível terrorista, traficante ou qualquer outro tipo de criminoso.

Foi esse modelo, exitoso, que virou o alvo da decisão de Dias Toffoli. Na contramão do mundo inteiro, o presidente do STF, após sua mulher aparecer numa investigação preliminar da Receita Federal, se insurgiu contra todos órgãos públicos que nos últimos anos vêm subsidiando o Ministério Público e a Polícia Federal com informações sobre movimentações suspeitas. No linguajar popular, a decisão do ministro é uma pá de cal em um sistema que nos últimos anos tem evitado que bilhões de reais sejam lavados por traficantes, terroristas, políticos e empresários corruptos.

Se fosse nos Estados Unidos, por exemplo, Toffoli teria proibido que um banco qualquer informasse a CIA ou o FBI, via a UIF americana, sobre uma movimentação financeira suspeita de um terrorista ou de uma megatraficante — pela decisão, esse tipo de comunicação só poderá se dar com aval da Justiça. O ministro inovou ao tentar redefinir, em uma canetada, o modelo de investigação em curso no Brasil e interferir, diretamente, em centenas de processos e inquéritos sobre crimes e criminosos de toda espécie.

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