Divulgação

‘A crise energética poderá ter impacto eleitoral em 2022’, diz ex-diretor da ANP

25.07.21 18:39

O economista carioca Adriano Pires, de 64 anos, trabalha há mais de quatro décadas com o setor de energia. Em 2001, quando o governo Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a adotar medidas de racionamento, Pires era o diretor da Agência Nacional de Petróleo, a ANP. Desde então, ele acompanha com atenção as oscilações na oferta e na demanda de eletricidade no país. Pelos seus cálculos, o Brasil poderá ter cortes de energia — os temidos apagões — em breve, o que pode afetar a eleição presidencial de 2022. Pires conversou com Crusoé pelo telefone.

Apesar de o Brasil não ter controlado totalmente a pandemia, há uma expectativa de recuperação econômica para este ano. Haverá energia para isso?
Essa é uma grande interrogação. Nos países do Hemisfério Norte, principalmente nos Estados Unidos, a economia deve ganhar um forte impulso com o avanço da imunização. No Brasil, teremos a maior parte da população vacinada entre setembro ou outubro. Então, há uma expectativa de retomada. Os bancos estimam um crescimento de cerca de 5% este ano. Mas acho que eles não estão considerando de maneira correta uma possível crise de energia. Até porque ela já está presente de alguma forma. Tanto é que as tarifas de luz têm subido uma barbaridade. A grande vilã da inflação este ano deve ser a conta de energia elétrica. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está dizendo que o nível de água dos reservatórios está em 30%. Em agosto, pode ficar abaixo de 20%. Em novembro, pode chegar a 10%. Se isso acontecer, será algo inédito no setor elétrico brasileiro. Nunca o ONS operou com o nível menor que 15%. É uma situação delicada. Lembre-se que o racionamento de 2001 e 2002 fez com que o PIB nacional caísse dois pontos percentuais.

O Brasil terá racionamento de novo, como aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso?
Não dá para cravar isso. O sistema antes era diferente. Naquela época, não havia usinas térmicas ou eólicas, a vento. Também não havia um sistema de transmissão tão robusto como o que existe hoje. De qualquer maneira, mesmo que não tenhamos um racionamento naqueles moldes, existe um risco de apagão. Isso acontece quando é preciso cortar a carga, porque não é possível atender aos picos de demanda de eletricidade. Os apagões, sim, têm chances reais de acontecer. Daqui em diante, nós teremos três meses decisivos, com grandes emoções: agosto, setembro e outubro. Nesse período, o reservatório vai continuar secando. Mesmo se chover bastante, como o nível do reservatório vai estar baixo, o problema deve continuar.

O Brasil tem eleições presidenciais marcadas para o ano que vem…
Acredito que a crise energética poderá ter um impacto eleitoral em 2022. A última vez que faltou energia elétrica no Brasil foi no Amapá, no ano passado. Josiel Alcolumbre, irmão do então presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do DEM, perdeu a eleição para a prefeitura de Macapá. As pesquisas diziam que ele ganharia no primeiro turno, mas depois do apagão suas chances diminuíram. Na crise de 2001 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o racionamento foi um dos fatores que ajudou Lula, que era opositor, a vencer a eleição.

Bolsonaro tem sido muito diferente de Dilma Rousseff ao lidar com a questão energética?
A grande diferença entre Dilma e Bolsonaro é que ela fez populismo tarifário. Com a medida provisória 579, ela baixou o preço da energia elétrica na marra, em 20%. Para cumprir a promessa, em 2013, Dilma passou a esvaziar demais os reservatórios de água, que ela dizia ser a energia mais barata. Nós estamos pagando a conta disso até hoje, porque o regime de chuvas tem sido muito ruim desde então. Bolsonaro, por enquanto, não está sendo populista. Ele tem tentado equilibrar a oferta e a demanda, com tarifas muito altas. Até quando vai ser assim, eu não sei. É importante ter em mente que, em 2014, Dilma quase quebrou a Eletrobras e a Petrobras para ter luz e gasolina baratas. Foi com isso que ela se reelegeu. 

A culpa da crise de energia é do aquecimento global?
O problema é a falta de planejamento estatal. Estamos há vinte anos vivendo de sobressaltos e pesadelos no setor de energia elétrica, porque nossa matriz energética continua muito refém do clima. E, com o aquecimento global, a meteorologia ficou mais imprevisível. A protagonista de todas as crises que tivemos no setor energético é a água, ou melhor, a falta dela. No passado, quem dava confiabilidade à operação de energia eram as usinas com grandes reservatórios. Bastava ampliar a geração nas hidrelétricas que o problema estava resolvido. No governo de Lula, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, proibiu a construção de usinas assim. Ela só permitiu aquelas que são de fio d’água, que não exigem uma grande represa. Mas essas usinas, como a de Jirau, Santo Antonio e Belo Monte, só geram energia quando chove, o que pode ser seis meses por ano. As usinas eólicas só funcionam quando venta. As solares, quando faz sol. Só não tivemos um apagão e racionamento no governo de Dilma Rousseff porque, nos últimos dez anos, o Brasil tem crescido pouco ao ano. E o consumo de energia está atrelado às variações do PIB.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO