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‘A corrupção sempre contra-ataca’, diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional

18.10.20 12:12

Pelo segundo ano consecutivo, a Transparência Internacional publicou um relatório sobre os retrocessos no combate à corrupção no Brasil. O trabalho diz que houve uma piora no quadro geral nos últimos doze meses, principalmente devido à interferência política em órgãos de controle. O diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão (foto), de 38 anos, conversou com Crusoé pelo telefone.

Há um ano, um relatório da Transparência Internacional apontou retrocessos no combate à corrupção no Brasil. O que mudou de lá para cá?
Aquele foi o nosso primeiro alarme. De lá para cá, a situação se agravou. A ingerência política nos órgãos de controle atingiu seu ápice na renúncia do ministro da Justiça Sergio Moro, que saiu do governo fazendo pesadas alegações. A nomeação de um procurador-geral (Augusto Aras) fora da lista tríplice no ano passado também foi um fator negativo, que nós já vínhamos apontando no primeiro relatório. Essa escolha desrespeitou uma prática que vinha se consolidando e que tinha dado maior independência ao Ministério Público. Nos doze meses seguintes, nossos medos se confirmaram. Atos e declarações graves do procurador-geral da República geraram um descrédito e uma desconfiança muito grande. A situação no Judiciário também definhou. Esse agravamento se deu principalmente nos recessos do Judiciário, quando o ministro Dias Toffoli assumiu o comando das apelações e decisões de urgência. Aí se acumularam diversas decisões altamente controversas que beneficiaram réus poderosos em casos de corrupção. No Congresso, não tivemos nenhum avanço de reformas significativas contra a corrupção. Algumas propostas na lei de lavagem de dinheiro e na lei de improbidade administrativa podem ter efeitos perigosos. Por fim, temos notado um aumento das hostilidades contra jornalistas investigativos.

A que se atribui essa piora?
Nas três décadas de experiência da Transparência Internacional, aprendemos uma máxima: a corrupção sempre contra-ataca. Depois que se fez um empenho vigoroso no país contra a corrupção, quebrando paradigmas de impunidade e prendendo réus poderosos, ocorreu uma desestabilização do antigo sistema, um desequilíbrio político. Sabíamos que fatalmente viria o contra-ataque da corrupção. Seus agentes são capazes de se organizar, muitas vezes de maneira coordenada, para resgatar o status quo. Assim, eles podem garantir novamente a impunidade e até se vingar daqueles que os perseguiram.

A postura do presidente Jair Bolsonaro, que afirmou ter acabado com a Lava Jato, está por trás desses retrocessos?
Sempre que um país entra em uma situação de deterioração democrática, os órgãos de controle são neutralizados. Isso ocorre porque, por natureza, eles são um limite ao poder constituído. Então, esses órgãos sofrem com redução de autonomia e perda da capacidade técnica. No Brasil, o combate à corrupção foi capturado por um projeto populista e autoritário, e as instituições de combate à corrupção foram as primeiras a sofrer. Nenhum país do mundo venceu a corrupção dando uma “voadora no pescoço”, como afirmou o presidente.

No primeiro relatório, a Transparência Internacional tinha apontado que o Congresso seria o espaço mais legítimo para o debate e aprovação das reformas necessárias para a luta contra a corrupção. O sr. tem visto um esforço por parte dos parlamentares?
O Congresso e o Supremo Tribunal Federal tiveram papel importante na consolidação dos marcos legais que possibilitaram o surgimento da Lava Jato. Mas hoje está claro que, dentro dessas instituições, há grupos querendo promover a impunidade. Ultimamente, eles ganharam força e o equilíbrio de forças se alterou. O presidente disse que acabou com a Lava Jato, mas muito mais grave que isso foi solapar as condições que permitiram que a Lava Jato e outras operações contra a corrupção surgissem. Se o país deixar isso acontecer e não avançar com reformas legais e institucionais, veremos a repetição de episódios lamentáveis e vergonhosos que atentam contra a dignidade da sociedade brasileira, como esse do senador (Chico Rodrigues) pego com dinheiro na cueca. Vamos ver cuecas mudando de cor, mas não vamos ver o problema acabar.

O senador Chico Rodrigues era o vice-líder do governo no Senado. Que conclusão podemos tirar daí?
Todo país que conseguiu controlar a corrupção fez isso com uma combinação de boas leis, instituições melhores e uma cidadania ativa. Nada disso combina com a armadilha da solução populista e autoritária para um suposto enfrentamento da corrupção.

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